‘All Things Must Pass’, de George Harrison, atinge um novo marco
O álbum histórico de George Harrison, All Things Must Pass, está comemorando seu 50º aniversário e o filho do ex-Beatle acredita que uma nova coleção remixada pode ser a trilha sonora perfeita para o pós-pandemia. “Acho que a mensagem deste álbum está mais pronta para ser recebida agora do que na época em que foi lançado”, disse Dhani Harrison. “A mensagem está mais clara agora – e está sonoramente mais límpida também. É uma obra musical realmente importante”.
A coleção original já era bem audaciosa para a época: foi o primeiro álbum de estúdio triplo da história do rock, uma virtual enxurrada de vinil. As edições de aniversário que saem esta semana fazem com que pareça meio esquisito, com oito LPs (ou cinco CDs), além de um disco de áudio Blu-ray, com o álbum remixado, demos, outtakes e jams.
Há notas de arquivo reimpressas, anotações sobre faixas, fotos e memorabilia. A edição mais cara vem numa caixa de madeira, junto com estatuetas dos famosos gnomos de jardim que aparecem na capa do álbum. Mas o principal é a música deste álbum que a Rolling Stone lista entre os 500 melhores de todos os tempos.
“Não estamos tentando fazer com que soe moderno”, disse o engenheiro Paul Hicks, vencedor do Prêmio Grammy. “Não estou tentando imprimir nenhum tipo de marca. Respeitamos muito os mixes que estavam lá e os seguimos o máximo possível”.
O esqueleto de All Things Must Pass foi gravado ao longo de dois dias no final de maio de 1970. Em 26 de maio, Harrison gravou 15 músicas com Ringo Starr e seu amigo de longa data, o baixista Klaus Voormann. No dia seguinte, tocou mais 15 canções para o coprodutor Phil Spector só no violão.
O álbum original de 23 faixas – que traz sucessos como Isn’t It a Pity, What Is Life e My Sweet Lord – foi remixado para as edições de aniversário da Capitol/UMe e agora apresenta mais 47 demos e outtakes, 42 deles inéditos.
As fitas da sessão de 1970 produziram 25 horas de música, com várias canções que não fizeram parte do álbum, como Cosmic Empire, Going Down To Golders Green, Dehra Dun, Sour Milk Sea e Mother Divine.
Dhani Harrison e Hicks começaram a trabalhar nas edições de aniversário há cinco anos, redigitalizando e ouvindo todas as músicas e tomadas feitas durante as sessões. Foi um mergulho muito mais profundo do que as reedições dos 30º e 40º aniversários. Hicks define a nova obra como um trabalho “forense”.
Eles saíram do estúdio com cerca de 110 músicas diferentes. Então, Harrison e sua equipe tiveram de decidir como apresentar o que fora encontrado. Ele se lembra de certa vez ter ouvido um box dos Beach Boys que tinha dez versões de cada música e não queria ir pelo mesmo caminho.
Em vez disso, ele queria trazer o ouvinte para o processo de gravação, para ouvir como as músicas haviam evoluído. “O que estávamos procurando eram aquelas versões que realmente se destacavam, que realmente gritavam algo novo”, disse Dhani Harrison.
Ouvintes familiarizados com a faixa Let It Down – uma canção dinâmica que recebeu o tratamento Spector Wall of Sound e se assemelha a um tema de James Bond – podem ficar surpresos ao ouvir a despojada e sincera versão demo acústica que Harrison gravou no segundo dia de estúdio.
Há também uma versão mais lenta de Isn’t It a Pity que é ainda mais triste do que a do álbum e uma versão sublime de Art of Dying que é indiscutivelmente melhor do que a original. Durante o processo, algumas músicas ficaram mais rápidas e outras, mais lentas, o que potencialmente vai explodir a mente de qualquer pessoa que pensasse que as versões finais eram a única forma de tocá-las.
“Quando você ouve, não consegue mais deixar de ouvir. Isso muda para sempre a maneira como você ouve todo o álbum. Mas não estraga a experiência de conhecer o disco”, disse Harrison.
Essa mistura também expõe um George Harrison bastante humano. Ele foi gravado pedindo um suco de laranja – enquanto tocava uma versão muito legal de Get Back. Going Down to Golders Green é Harrison fazendo sua melhor imitação de Elvis, um verdadeiro deleite. Há também a gravação de Harrison para It’s Johnny’s Birthday, um presente para marcar o 30º aniversário de John Lennon.
As demos revelam a origem ainda bem crua de Woman Don’t You Cry For Me, música que se tornaria a faixa de abertura de seu álbum de 1976, Thirty Three & 1/3. E, durante a 14ª tomada de Isn’t It a Pity, farto, o artista sai do script para cantar: “Não é uma dor?/Por que fazemos tantas tomadas?”.
Harrison e Hicks apelidaram o Disco 5, que contém sessões e jams, de “disco de festa”. “Queríamos mostrar que os caras também estavam se divertindo”, disse Hicks. “É um álbum emocionalmente pesado. Aborda muitos temas profundos. Então, realmente queríamos mostrar um lado mais leve de parte do conteúdo”.
George Harrison reuniu uma grande lista de músicos para ajudá-lo em All Things Must Pass, entre eles Eric Clapton, Bob Dylan, Ringo Starr, Billy Preston, Delaney e Bonnie Bramlett, Pete Drake e até mesmo um jovem Phil Collins (cuja performance no bongô nunca chegou à versão final do álbum).
“Ele reuniu um esquadrão da pesada, se é que você me entende. Tipo, ele não estava de brincadeira com esse álbum”, disse Harrison.
O jovem Harrison também investigou histórias por trás das canções, como a faixa que abre o álbum, I’d Have You Any Time. Ele descobriu que Clapton às vezes sofria para tocar as notas de Harrison. “Foi incrível ouvir Eric dizer como estava difícil para ele, porque é um cara que não costuma achar que tocar guitarra é muito difícil”.
As sessões de gravação de All Things Must Pass começaram apenas seis semanas após o anúncio da separação dos Beatles, em abril de 1970, e o jovem Harrison observa que seu pai estava passando por muita coisa naqueles tempos: além da separação da banda, ele perdeu sua mãe e também estava acabando um relacionamento amoroso.
“É uma cápsula do tempo para a família e tem muito amor dentro dela”, disse Dhani Harrison. “Ele foi corajoso em fazer tudo isso no momento em que fez. Foi algo muito forte e poderoso. É muito raro que essas condições apareçam uma vez sequer na vida de um artista”.