• Pinturas de Nelson Sargento são tema de ocupação na zona norte do Rio

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  • 29/07/2021 08:05
    Por Marcio Dolzan / Estadão

    Nelson Sargento um dia escreveu, para depois cantar, que o morro é o encanto da paisagem. O cantor, compositor e artista plástico sabia do que falava: presidente de honra da Mangueira, ele morou boa parte da vida no segundo barraco da parte mais alta do morro que batiza a tradicional escola de samba carioca. O artista morreu no final de maio aos 96 anos e deixou para a posteridade mais de 400 canções, sendo alguns clássicos da música popular. Mas também deixou muitos quadros pintados a próprio punho, e que pelos próximos dois meses poderão ser contemplados na zona norte do Rio.

    Arte, Agoniza Mas Não Morre: Nelson Sargento, 9.7 é o nome da ocupação artística montada no Espaço Travessia, no Instituto Nise da Silveira. Lá, é possível ver 16 quadros do sambista, seis deles inéditos, além de obras de mais de 20 artistas convidados e cuja temática lembra de alguma forma o trabalho de Sargento.

    “Estamos encravados no Engenho de Dentro, e as coisas quase sempre acontecem na zona sul ou no centro. Aqui temos muita potência artística, muita potência cultural, que por vezes não é representada”, diz Marcelo Valle, curador da ocupação. “Nelson é um cara do subúrbio, que começou como pintor de paredes. Ele consegue dialogar com muita gente. Dialoga com a juventude, com os mais velhos, com a questão da saúde mental, com a felicidade e com a alegria.”

    Amigos e familiares dizem que a exposição era um desejo do sambista, que esperava viver até os 100 anos – ele morreu cerca de dois meses antes de chegar aos 97. “Nós tínhamos como mote um dos sambas do Nelson chamado Encanto da Paisagem”, conta o amigo, parceiro de música e produtor cultural Agenor de Oliveira. “Nosso objetivo era criar uma exposição ampla que mostrasse, através dos versos desse samba, não só a realidade do morro, mas também seus encantos, suas paisagens.”

    Dentre as obras pintadas pelo artista, a temática do morro e do samba é uma constante. Dona Evonete, viúva de Nelson Sargento, se disse emocionada com a exposição: “O Nelson pintando era uma criança. Era comportado, se deixasse ele com um pincel na mão ele ia criando. Pintava em qualquer horário, principalmente de madrugada. É um grande artista: um bom cantor, um bom compositor, com parceiros maravilhosos. Ele merece muito essa homenagem”.

    A ocupação artística se distribui por dois andares do Instituto Nise da Silveira, e deverá ficar aberta até o final de setembro. Segundo Marcelo Valle, nesse período algumas das obras dos artistas convidados que estão hoje expostas deverão sair, mas outras serão agregadas. A visitação é gratuita, mas devido à pandemia é preciso entrar em contato prévio para fazer agendamento.

    Entre as peças expostas na ocupação Arte, Agoniza Mas Não Morre: Nelson Sargento, 9.7, uma chama especial atenção. Não tem o colorido que marca o traçado do artista, tampouco a delicadeza das linhas, mas tem importância histórica: trata-se do primeiro violão usado pelo sambista.

    A história do instrumento, aliás, merece um capítulo à parte. Ele chegou às mãos de Nelson meio que de improviso, e quem conhece a história ressalta que isso apenas serve para mostrar como o músico era brilhante. Porque o violão era péssimo.

    O produtor cultural Agenor de Oliveira conta que quando integrantes de um musical sentiram a necessidade de acrescentar um violão ao grupo, o compositor Elton Medeiros sugeriu o nome do amigo Nelson Mattos – que mais tarde se tornaria Nelson Sargento.

    “Foram ao morro da Mangueira e deixaram um recado para a esposa do Nelson na época. Disseram que era para ele ir ao teatro no dia seguinte, que tinham um trabalho para ele”, diz Oliveira. Pintor de paredes, Nelson Mattos pensou que o trabalho era pintar o prédio, e como estava exausto pelos dias cansativos de trabalho, não compareceu.

    “No dia seguinte, voltaram ao morro e deixaram novo recado para a mulher: ‘diz para o rapaz aparecer amanhã, porque se não for, não precisa ir mais’. No dia seguinte o Nelson pegou sua malinha, os pinceis, seu chapeuzinho e foi lá para pintar. Quando chegou, perguntaram a ele sobre o violão. ‘Que violão? Não vim aqui para pintar?'”, se diverte Agenor. “Ele não tinha violão, não existia violão. Arrumaram esse violão aí, que é lamentável, mas que fez parte de alguns de seus maiores sucessos.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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