Festival de Cannes se reencontra com o público; Spike Lee será presidente
Abraços e beijos estarão proibidos por causa da pandemia e a cada 48 horas os participantes serão submetidos a testes de covid-19, mas, a partir desta terça, 6, o Festival de Cannes vira a página do evento online do ano passado e volta a ser presencial. O brilho da montée des marches inaugural está assegurado. Em sua 74.ª edição, Cannes estende o tapete vermelho para abrigar o sempre polêmico e não raro brilhante diretor Leos Carax e seu par central, Marion Cotillard e Adam Driver, para a apresentação do musical Annette.
Dois anos após a premiação de Bacurau, Kleber Mendonça Filho volta a vestir a tênue de soirée – obrigatória no tapete vermelho -, agora como integrante do júri presidido pelo sempre ousado Spike Lee, primeiro negro a exercer a função. Mais Brasil em Cannes 2021 – Karim Aïnouz participa da seleção oficial com a sessão especial de O Marinheiro das Montanhas, o documentário sobre seu pai argelino que virou, segundo o autor disse em entrevista ao Estadão, uma carta de amor à sua mãe. Dos 24 longas que disputam a Palma de Ouro, apenas quatro são dirigidos por mulheres, entre elas duas francesas, Catherine Corsini e Mia Hansen-Love.
Responsável pela seleção, Thierry Frémaux reconhece que ainda é pouco, mas informa que, no processo de escolha, sempre que a dúvida fosse entre dois filmes e um deles assinado por mulher, a preferência era desse. Minoria na disputa pelo prêmio maior, as mulheres são maioria no júri – cinco entre nove, incluindo a atriz Maggie Gyllenhaal. Dois vencedores da Palma voltam à competição – o italiano Nanni Moretti, com Ter Piani, e o tailandês Apichatpong Weerasethakul, com um filme ambientado na Colômbia dos anos 1970/80, Memory, sobre as lutas das revolucionárias Farc com grupos paramilitares.
Apesar dos cuidados especiais para manter a crise sanitária sob controle na Croisette, Thierry Frémaux promete que “a organização e a essência serão de uma edição normal”. A tal normalidade manifesta-se na seleção. Cannes sempre teve seus favoritos, que são presenças frequentes na Croisette. Este ano estão de volta o holandês Paul Verhoeven, com Benedetta, sobre as pulsões sexuais de uma freira do século 15; o iraniano Asghar Farhadi com Um Herói, thriller psicológico que ele rodou em seu país de origem; o francês François Ozon (esse bate ponto no festival), com Tout C’Est Bien Passé, sobre uma filha que ajuda o pai a morrer. O tema da morte, talvez por causa da pandemia, reaparece em O Joelho de Ahed, do israelense Nadav Lapid, sobre um cineasta que enfrenta o vazio provocado pela morte de sua mãe.
Duas conhecidas atrizes, a inglesa Tilda Swinton e a francesa Léa Seydoux, estão em dois filmes, cada, da competição. Tilda, no Apichatpong e em The French Chronicle, de Wes Anderson, rodado no Sul da França. Léa em A História de Minha Esposa, da húngara Ildikó Enyedi, premiada em Berlim por Corpo e Alma, e em França, de Bruno Dumont, como jornalista que enfrenta as sequelas de um grave acidente. Para permanecer com as atrizes, Céline Sciamma, que tanto sucesso fez com Retrato de Uma Jovem em Chamas, há dois anos, retorna com Les Olympiades, de Jacques Audiard – outro premiado com a Palma, por Deephan -, que se passa agora num bairro multiétnico de Paris. Um ator, o também diretor Sean Penn, concorre com Flag Day, sobre a vida dupla de um chefe de família norte-americano.
Quem viu Asako I e II, com certeza aguarda com ansiedade o novo longa do japonês Ryusuke Hamaguchi – Drive My Car baseia-se em Haruki Murakami. E o que dizer do russo Kirill Serebrennikov? Após Verão, de 2018, sobre o rock na URSS em processo de transformação dos anos 1980, ele conta, em Febre de Petrov, a vida, entre sonho e realidade, de um quadrinista na Rússia pós-soviética. O processo de criação num mundo hostil também anima o marroquino Nabil Ayouch, que, com Haut e Fort, retrata a cena de hip-hop em seu país. Atrações não faltarão, e a maior de todas é o retorno à forma presencial.
O Brasil participa da mostra Quinzena dos Realizadores com Medusa, de Anita Rocha da Silveira, que já foi premiada no Festival do Rio com Mate-me, Por Favor. O mito grego é incorporado a uma história que busca refletir sobre a opressão das mulheres na atual onda de conservadorismo que assola o Brasil (e o mundo). Também na Quinzena há uma coprodução Brasil/Uruguai, O Empregado e o Patrão, de Manuel Nieto Zas. Mais coprodução brasileira na Quinzena: Murina, da croata Antoneta Alamat Kusijanovic, produzido por Rodrigo Teixeira. A RT também é parceira no longa francês da competição Bergman’s Island, de Mia Hansen-Love. A ilha de Bergman é Farö, claro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.