Cai o apoio em geral e dos evangélicos ao presidente
Estudioso, há três décadas, do evangelicalismo, o antropólogo Ronaldo de Almeida, da Unicamp, vê o eleitorado evangélico – grupo que representa hoje 30% da população brasileira – sujeito a uma variedade de elementos que incluem desde alinhamento a valores morais, a conjuntura política e situação econômica. Isso explica a confiança já depositada, no passado, em nomes como Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e agora Jair Bolsonaro.
Esse perfil, avalia o professor, pode representar uma dificuldade ao atual presidente e para 2022, num cenário em que opositores como Lula e Ciro Gomes também acenam a essa parcela do eleitorado. “Bolsonaro vem perdendo em geral. E também perde no segmento evangélico”. Pesquisa Ipec divulgada pelo Estadão na sexta-feira mostra Bolsonaro atrás de Lula (41% a 32%) nas intenções de voto entre evangélicos para 2022. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A seu ver, existe um perfil claro do eleitorado evangélico?
O campo evangélico é variado. Há uma diversidade interna, que vai da esquerda, um grupo pequeno, à direita e extrema-direita, um grupo maior. É importante também diferenciar a liderança do fiel. O que vemos na TV, os legisladores com discurso acentuado, acabam sendo mais conservadores do que os fiéis. A fé evangélica é mais flexível do que a moralidade defendida por essas lideranças. O discurso público sobre temas como homossexuais, por exemplo, pode ser negativo, mas o fiel é mais tolerante.
Como o comportamento do presidente e dessas lideranças influencia o segmento em temas como a vacinação, por exemplo?
É impressionante como diversas lideranças, como Silas Malafaia e Edir Macedo, saem falando as coisas que o presidente fala. Macedo colocou em suspeita a vacina, Malafaia defendeu a ivermectina. Eles são linhas auxiliares de Bolsonaro. Então, o efeito nos fiéis acontece pela mediação das lideranças, que fazem péssimo serviço.
Como se consolidou a participação dos evangélicos na política?
Essa participação crescente é fruto da redemocratização, do surgimento de novos atores políticos. A entrada é pelo Legislativo, com candidaturas que trazem pautas únicas ligadas a bandeiras religiosas. Depois de um tempo, chega-se ao Executivo, com prefeituras e governos. De uma década para cá, temos a presença desse grupo no campo jurídico, desde Ministério Público a Advocacia-Geral da União e Defensoria Pública, campo tradicionalmente ocupado pelo catolicismo. Surgiram entidades como a Anajure e o IBDR. No campo da Lava Jato apareceu muito. (O procurador Deltan) Dallagnol em Curitiba envergou a bandeira evangélica, o (juiz Marcelo) Bretas no Rio. Então, a entrada de um nome “terrivelmente evangélico” no STF seria a coroação desse processo.
Como Bolsonaro conseguiu representar esse eleitorado, mesmo sem ser evangélico?
Bolsonaro compôs um perfil religioso “transcristão”, atraindo evangélicos a católicos. É um jogo ambíguo e intencional, para manter uma dupla imagem. É católico, mas frequenta cultos evangélicos, é casado com uma evangélica. Consegue amarrar tudo no conservadorismo. É claro, isso também se construiu pela força do antipetismo em 2018. Em 2006, Lula foi muito bem votado por evangélicos, depois houve um equilíbrio nas eleições de Dilma e agora temos uma inversão com Bolsonaro.
A crise atual pode abalar o prestígio de Bolsonaro com este grupo?
Bolsonaro vem perdendo em geral. Então, também perde no segmento evangélico, mas acho que é onde ele perde menos. Militares e evangélicos são os grupos em que talvez ele possa perder por último. Tem muita gente decepcionada com a questão da vacinação. Havia tolerância quanto a palavrões, havia justificativa bíblica de que Deus opera por outros, como Ciro, mas isso não se sustenta mais. É uma população que já teve sua fidelidade ao Lula e ao PT, por exemplo. A pergunta é: quem é que seria capaz de recuperar essa parcela?
A manutenção de ministros ligados a igrejas evangélicas e um nome para o STF são fundamentais para manter o eleitorado evangélico em 2022?
Com certeza. Os ministros são sinalizações de que o meio evangélico participa das decisões. Damares merece um capítulo especial nisso. Plantou muitas coisas em termos eleitorais, lançou redes. Ela está mais quieta, mas trabalha pra caramba.
O declínio de popularidade de Bolsonaro põe cristãos em risco de alguma forma?
Esse é um discurso falacioso. Existe uma memória do protestantismo de ser minoria, historicamente, no entanto o protestante está próximo do católico em termos demográficos. Tem evangélico em todo lado.
E como vê esse debate sobre cristofobia?
Que papo é esse de cristofobia? É cristão reclamando de liberdade religiosa. Ora, se alguém é perseguido neste País são as religiões afrobrasileiras. O discurso da cristofobia é maroto, de oposição à homofobia. É dizer que qualquer crítica sobre o cristianismo é uma ameaça, como se os cristãos estivessem ameaçados. O discurso da minoria perseguida foi defendida pelo (advogado-geral da União) André Mendonça. Quando desagrada, são minoria perseguida, quando querem impor uma moralidade, alegam que são maioria.
Há grupos de evangélicos associados à esquerda. Por que, em geral, historicamente este segmento se relaciona mais com a direita?
A história do evangelicalismo no Brasil é uma história branca, vinda com forte influência dos EUA. A gente recebeu a influência americana branca do sul dos EUA, de um campo muito fundamentalista. Aconteceram aqui muitas coisas que iam acontecendo lá, desde a entrada na política nos anos 1970, com o alinhamento a Reagan, a fixação no Partido Republicano.
A busca pelo voto da comunidade evangélica para 2022 está acelerada. Como vê essa “corrida”, que envolve nomes ligados à esquerda como Lula e Ciro?
O PT tenta refazer pontes. Lula se rearticula. Já Ciro parece ter achado um caminho que é entrar nesta conversa sem as questões identitárias, como aborto, gênero. É uma aproximação sem ser contraditório ao seu partido.
Qual será o papel dos evangélicos nas eleições de 2022?
É um eleitorado fragmentado. sua diversidade é cada vez mais explícita, mas ainda é um grupo que pode ser “alinhado”, para o qual dá pra mandar um recado mais geral. São 30%, mas se vierem, vêm em bando. Foram fundamentais em 2018 para Bolsonaro porque além do voto, eles foram caixas de ressonância dos conteúdos da campanha. Foi mais do que votar. Botaram as garras para fora. Não sei se vai haver o mesmo fôlego, acho difícil repetir o tamanho de 2018.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.