• Uma palavra entre gerações

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  • 26/06/2021 08:15
    Por Gilberto Amendola / Estadão

    Antes de mais nada, é preciso fazer uma advertência: se você ainda não sabe o que é cringe, existem grandes chances de você ser cringe também. Pior do que isso, de acordo com a “régua” da geração Z, a simples leitura desta reportagem faz de você um cringe, um senhor cringe, um cringe gigante. Feita a advertência, vem comigo (‘vem comigo’ é uma expressão muito cringe)!

    Ser didático deve ser cringe. Ainda assim, é preciso explicar e contextualizar um pouco. Em inglês cringe significa algo como “vergonhoso”, “vergonha alheia” ou “mico”. Esse termo inundou a internet depois que a produtora de conteúdo Carol Rocha (@tchulim) perguntou em seu Twitter o que os jovens da geração Z consideravam cringe nos Millennials.

    Iniciou-se assim uma espécie de guerra civil virtual, com provocações bem-humoradas da geração Z (nascidos entre 1996 e 2010) aos Millennials (nascidos em 81 a 95). Mas que ataques foram esses? Do que os novinhos da geração Z estão acusando os Millennials (chamar de novinho/novinha também deve ser cringe). Como vocês irão entender a seguir, o cringe é inescapável.

    Se você é fã de Friends, apaixonado por Harry Potter ou já se emocionou com alguma princesa da Disney, você é cringe. Se você não dispensa um belo café da manhã, acha cerveja de litrão um bom negócio ou veste calça skinny, você é cringe. Se você utiliza emojis em suas conversas virtuais, escreve “rsrsrs” ou fala boletos (para se referir às contas que precisam ser pagas), você é cringe. Se você foi grunge, você também é cringe.

    A acusação da geração Z é tão abrangente que atingiu não apenas os Millennials, mas também os Baby Boomers (1946 a 1964) e a geração X (1965 a 1980). As manifestações virtuais fizeram a alegria da internet por dias. Fotos de café da manhã, Harry Potter e princesas da Disney.

    Em números, e até o fechamento desta matéria (muito cringe isso), o cringe tinha mais de 23,4 milhões de hashtags no Instagram, mais de 10, 6 bilhões de visualizações em vídeos com essa hashtag e um aumento de 70% de procura pelo termo no Google.

    Claro, o potencial econômico da brincadeira foi percebido pelo marketing digital. Já teve banco perguntando se investir em poupança é cringe, loja de varejo dizendo que cupom de desconto não é cringe e rede social de sexo liberal perguntando se transar de meia é cringe. Greenpeace, o Centro de Operações do Rio de Janeiro e muitos outros fizeram posts com referências ao termo.

    Por exemplo, a fundadora da Be Faster – School of English, Anna Carolyna Diniz, contou que a onda cringe tem sido um prato-cheio para professores e escolas de inglês. “Principalmente explicando que cringe é um verbo, que as pessoas estão usando como adjetivo”, comentou.

    O uso do termo chegou à exaustão e muita gente reagiu: “Em 3 dias, conseguiram saturar o trem do cringe, eu juro que não aguento mais ler essa palavra (@matiasluisaa)”; “Por favor, acabem com essa besteira de briga de gerações. Eu fui dar bom dia para minha avó e ela estava pesquisando o que significa a palavra cringe (@midanleao)”. O hitmaker Lulu Santos parece ter perdido, definitivamente, a paciência com o termo: “Pode se dizer, vai tomar no cringe?” (@lulusantos).

    Também existe quem consegue enxergar o lado bom deste embate geracional. O influenciador digital Klébio Damas, 24 anos, acredita que estamos acompanhando “duas bolhas fazendo contato”. “É engraçado e positivo. Tem uma galera mais jovem interagindo com os jovens adultos. É normal que esses jovens adultos já não aceitem ser tão jovens assim”, falou Damas.

    Damas nasceu em 1996. Ou seja, bem na virada entre os Millennials e a geração Z. Ele está naquilo que alguns chamam de “Geração Limbo” ou “Zillennials”. “Eu fico nesse meio de caminho. Tinha o CD do Rouge, mas também sei todas as dancinhas do TikTok”, brincou.

    ‘Como os Nossos Pais’

    O psicólogo analítico Kleber Marinho afirmou que esse tipo de embate é comum entre gerações. “Cada geração contesta e ridiculariza a anterior. O que é diferente agora é que entrou a tecnologia e as redes sociais no assunto. A questão é: enquanto os Millennials tiveram que se adaptar a esse mundo tecnológico; a geração Z já nasceu totalmente inserida nesse contexto”, disse Marinho.

    Para Marinho, nossos bisavós devem ter vivido algo parecido. “Quando a televisão chegou, uma geração deveria achar estranho o fascínio de algumas pessoas pelo rádio”, comparou. Mas, segundo ele, existe uma pegadinha aí. Da mesma forma que o rádio não acabou, “as coisas mudam de embalagem, mas voltam como tendência”. “A moda sempre nos ensina isso”, lembrou.

    Para Marinho, quem usa cringe para atacar um millennial hoje tem grandes chances de ser chamado de cringe amanhã. “No contexto da pandemia, por exemplo, a exaustão do trabalho remoto pode formar uma geração que vai desdenhar das ferramentas tecnológicas e queira retornar aos espaços livres, à língua portuguesa e por aí vai.”

    O psicólogo lembrou de Como Nossos Pais, música de Belchior imortalizada por Elis Regina. “No final das contas, você chega em uma fase da vida que acaba se transformando naquilo que você tanto criticava”, disse. “Ainda assim, existe sim uma evolução de consciência. As novas gerações aceitam melhor o outro, combatem o racismo, o machismo e a homofobia. Essas são mudanças que os mais velhos precisam incorporar e aprender com os mais jovens”, disse.

    É isso, cringes! Você, leitor, tem grandes chances de ser cringe. Afinal, acabou de ler uma matéria cringe. Se serve de consolo, não demora para a geração Z também se juntar a nós. Seremos todos cringes em evolução.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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