• 1/4 do Senado é alvo de ações por improbidade

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 21/06/2021 13:00
    Por Bruno Ribeiro, Marcelo Godoy e Tulio Kruse / Estadão

    Levantamento feito pelo Estadão em tribunais de todo o País mostra que 21 dos 81 senadores (25,9%) que vão analisar as mudanças na Lei de Improbidade Administrativa respondem a ações em razão de contratos firmados quando eram prefeitos ou governadores. A alteração da lei pode favorecê-los, caso se decida pela retroatividade da mudança, tese apoiada por advogados.

    Ao todo, a reportagem encontrou 37 senadores que respondem a ações penais e ou por improbidade – um deles chegou a ser condenado a 2 anos e 8 meses de prisão por peculato, mas a pena estava prescrita. O levantamento foi feito nos Tribunais de Justiça dos Estados, na Justiça Federal, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).

    Entre as alterações na Lei de Improbidade já aprovadas pela Câmara dos Deputados está a que acaba com a modalidade culposa. Atualmente, um governante pode responder por improbidade por ter agido com descuido, imprudência ou imperícia. Pela alteração, a culpa não será mais admitida, ainda que grave. Será preciso provar o dolo, a intenção do gestor de provocar o dano aos cofres públicos.

    O novo projeto ainda estabelece um prazo máximo de 180 dias, prorrogados pelo mesmo período, para que o inquérito civil público, usado pelo Ministério Público para apurar os casos de improbidade, seja concluído. Promotores e procuradores consideram o prazo exíguo em casos complexos, que dependem de perícias, cooperação internacional e análise de quebras de sigilo.

    “Do jeito que está, a lei passará a se chamar Lei da Impunidade Administrativa. É assim que eu e meus colegas estamos chamando esse projeto”, disse o promotor Sílvio Antônio Marques, especialista na legislação. Marques trabalha há 25 anos na Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de São Paulo e foi o responsável pela apuração que localizou as contas bancárias do ex-prefeito Paulo Maluf, na Ilha de Jersey, no Reino Unido. “Os dados demoraram três anos para chegar”, observou.

    Segundo a procuradora regional da República Samantha Chantal Dobrowolski, algumas alterações na lei, como o prazo de um ano para a conclusão do inquérito civil, parecem “claramente visar que não funcione”. Para ela e para seus colegas, não era necessário retirar da lei a punição por culpa, mas especificar de que se tratava da culpa grave, conforme já definido pelo STJ.

    A procuradora regional disse que pontos polêmicos foram incluídos na Câmara sem que houvesse debate. Segundo ela, há, no entanto, avanços, como a possibilidade de acordo judicial. “No passado, houve muito erro. A lei é punitiva e inclui desde a possibilidade de punir o desvio de uma rama de papel até grandes desvios. Conforme o lugar, promotores não faziam o juízo de significância. E houve exageros lá atrás, nos anos 1990. O que existe, às vezes, é um problema de ‘timing’, como entrar com ação em época eleitoral. O preconceito contra a lei vem dessa época.”

    Para o cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo, a aprovação da proposta na Câmara, com apoio do governo, demonstra abandono do compromisso com o combate à corrupção, “proposta fundamental” da campanha de Jair Bolsonaro em 2018. “É totalmente contra qualquer critério ético que figuras de responsabilidade pública possam influir em mudanças de regras em leis que, em certo sentido, vão beneficiá-los.”

    Moisés disse que o placar da votação na Câmara, que uniu setores da oposição a bolsonaristas e ao Centrão, indica desafios para os dois campos na próxima campanha eleitoral, pois, para ele, o tema da corrupção ainda pode influenciar o debate em 2022. “A corrupção era vista pela maioria dos entrevistados de pesquisas de opinião como o principal problema do País.”

    Já Roberto Dias, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pondera que há o risco de senadores legislarem em causa própria na alteração da lei, mas ressalta que o exercício do mandato é uma prerrogativa protegida pela Constituição. Ele acredita que a legislação poderia ter regras mais equilibradas para evitar condenações graves por erros de gestão.

    “Obviamente a lei foi um avanço para o combate à corrupção, mas de fato a legislação vigente tem algumas previsões extremamente genéricas”, disse o professor, que defende mudanças na lei desde que o combate à corrupção não seja prejudicado. “O que não pode é afastar da gestão pública profissionais de qualidade: quem vai querer se submeter a um risco desse, comprometer a carreira e o patrimônio por um ato que entendia correto?”

    Prescrição

    A demora no julgamento das ações é uma das queixas dos políticos. O senador Esperidião Amin (Progressistas-SC) é alvo de ação proposta pelo Ministério Público, que questionou o patrocínio dado pela empresa catarinense de energia, a Celesc, ao réveillon de Laguna em 2001. O processo ficou suspenso por decisão judicial até que o Supremo julgasse o tema da prescrição de atos de improbidade administrativa.

    Amin era governador de Santa Catarina na época. Outras quatro ações similares, que não tiveram a tramitação suspensa, foram arquivadas. “Agora o tema me interessa”, disse o senador, em tom de brincadeira, ao ser questionado sobre a ação. “Se os contratos foram cumpridos, os serviços foram prestados, não houve irregularidade, não é correto que a pessoa fique respondendo um processo por 20 anos.”

    A nova lei estabelece prazo de 8 anos a partir do ato para a prescrição da improbidade – hoje é de 5 anos após o político deixar o cargo. E aumenta de 8 para 14 anos a inelegibilidade do condenado por enriquecimento ilícito.

    ‘Vítima do sucessor’

    Campeão de ações de improbidade entre os senadores, Nelsinho Trad (PSD-MS) disse que seu sucessor na prefeitura de Campo Grande, que ele governou de 2005 a 2013, está por trás da coleção de processos – atualmente 17 – que o parlamentar responde na Justiça. “Meu sucessor foi um adversário político que se pautou apenas e tão somente em abrir procedimentos investigatórios contra os atos da gestão que representei.”

    Segundo ele, foram mais de duas centenas de processos: “E a grande maioria não evoluiu. Restaram esses que tratam de placas indicativas de inaugurações de obras, alimentos para merenda, operações logísticas de tapa-buraco, tratamento de resíduos sólidos a plano de saneamento básico, além de esgotamento sanitário e promoções de servidores efetivos”. O senador defendeu as mudanças na Lei de Improbidade para retirar a responsabilização em razão de culpa do administrador. “Acredito que deva ser evidenciada a intenção dolosa do gestor.” E concluiu: “A responsabilização pura e simples do agente político – que habitualmente tem sob sua coordenação dezenas de unidades administrativas e milhares de funcionários públicos sob sua direção – não parece ser justa”.

    Colega de partido de Trad, o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) afirmou que a ação de improbidade “se banalizou”. “Muitas vezes não tem dolo, não teve prejuízo ao erário, mas você tem que ficar respondendo por isso.” Cardoso é réu em ação que apura irregularidades no convênio com escolinhas esportivas de R$ 250 mil em Goiás. Ele afirma que o convênio foi regular e teve aval do Tribunal de Contas.

    Já o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) responde processos por atos enquanto prefeito de Petrolina, em razão da execução de obras de saneamento. “Não havia elemento sequer para abrir uma ação criminal, imagina uma ação civil de improbidade.” O senador afirma que ainda não formou juízo sobre as mudanças na Lei de Improbidade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

    Últimas