• Claude Lelouch explica decisão de dar continuidade ao cult ‘um Homem, uma mulher’

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  • 20/06/2021 07:10
    Por Luiz Carlos Merten / Estadão

    Roger Boussinot, em sua Enciclopédia de Cinema, diz que ele é, com Jean-Luc Godard, o representante máximo desta escola – a nouvelle vague – que se beneficiou da liberdade criativa (câmeras leves, emulsões ultrassensíveis) para modificar a estética cinematográfica nos anos 1960. Claude Lelouch seria um técnico admirável, e a sua busca pela espontaneidade da imagem e da própria (cine)dramaturgia, em trabalho conjunto com os atores, deu-lhe projeção. Mas se a técnica é brilhante, Boussinot o desqualifica como autor. Jean Tulard, no Dicionário de Cinema, vai por aí. Diz que Lelouch é um industrial do amadorismo.

    Numa entrevista por Zoom, de Paris, Lelouch fala sobre o seu eterno retorno a Um Homem, Uma Mulher, o longa de 1966 que lhe valeu a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar. Depois de Un Homme, Une Femme – 20 Ans Déjà, ele propõe agora Os Melhores Anos de Uma Vida, que reabrirá, na quinta, 24, o Petra Belas Artes. O conjunto de salas, fechado desde o início da pandemia, ganhará programação especial. Os cinéfilos de carteirinha da casa hão de lembrar que, no passado, outro longa de Lelouch – Les Uns et Les Outres, rebatizado, no Brasil, como Retratos da Vida -, no começo dos anos 1980, ficou um tempão em cartaz no Belas. O Bolero de Ravel virou trilha de toda uma geração. E ainda tinha aquela coreografia de Maurice Béjart.

    O diretor toma por elogio o que, para outros, poderia ser pejorativo. “Sou um amador, sim, diante da vida e do cinema. Cheguei aos 83 anos e mantenho minha curiosidade perante o mundo e as pessoas. Quero aprender sempre.” E acrescenta – “Fui muito criticado nos (anos) 60 porque as pessoas não toleram o sucesso alheio. Aos 29 anos, eu parecia ter o mundo a meus pés. Era demais para esses invejosos”. No imaginário do público, Um Homem e Uma Mulher é indesligável da trilha com canção de Francis Lai e letra de Pierre Barlouh, que amava o Brasil e a quem o novo filme é dedicado. Aquele “chabadá” romântico, queiram ou não, fez história e está de volta.

    Lelouch explica: “O filme foi restaurado e ganhou sessão especial comigo e com os atores. E foi olhando as reações entre Anouk (Aimée) e Jean-Louis (Trintignant), as trocas de olhares cúmplices entre ambos, que eu me dei conta de que aquela história ainda não estava acabada”. Um filme começou a tomar forma, e agora adequado à realidade da dupla. Trintignant, de 90 anos, Anouk, de 89. Ele está numa casa de repouso, batizada de Domaine de L’Orgueil. Realiza exercícios para manter a memória, que começa a falhar. Seu filho busca a mulher que foi o grande amor do pai. Anouk reaparece. Chabada-badá!

    “Jean-Louis havia anunciado sua aposentadoria. Não queria mais saber do cinema, mas eu fui atrás dele, para convencê-lo. Parecia cansado, alheio a tudo. Tinha medo que estragássemos uma obra que era referência para todos nós, mas a voz continuava a mais bela do mundo.” No filme, ele se chama Jean-Louis Duroc e Anouk, Anne. Duroc foi corredor automobilístico – como Trintignant, na juventude. O ator adorava os carros, a velocidade. Anne era scripte, a profissional que, nos filmes, controla a fidelidade ao roteiro (e aos diálogos). E, por falar em voz, a de Anouk segue impressionante. Grave, meio rouca, mas rica em modulações. Ela gravou, na França, o audiobook de La Passion Selon G.H., A Paixão Segundo G.H. Clarice Lispector!

    “A morte ronda Jean-Louis, Anne é a vida.” Lelouch reflete. No filme, Jean-Louis olha seu antigo – eterno – amor e observa que nenhuma mulher mexe nos cabelos como Anne. O repórter observa que Anouk parece ter vencido o tempo. Quase centenária, segue bela. Lelouch aproveita a deixa – “Já combinamos que, se chegarmos aos 100 (anos), faremos mais um filme, o quarto”. A vida, o amor, a morte atravessam o cinema de Lelouch. Deram título a um de seus filmes, de 1969. “A velhice tem muitos inconvenientes, mas tem suas vantagens. Jovem, eu me lembro como era insuportável. Agora, sinto-me em paz comigo mesmo. E olhando Jean-Louis e Anouk, a forma como eles se tocam, sinto que eles compartilham a serenidade. Estamos todos tão próximos da morte que parece absurdo gastar o tempo que nos resta brigando, fazendo a guerra.”

    Bem no final de Os Melhores Anos, um crédito informa que se trata do 49º filme de Lelouch – era, porque ele já fez, em plena pandemia, o 50º. De onde vem tanta inspiração? “Só filmo o mundo que conheço. Cruzei todos os meus personagens, ouvi seus diálogos. Isso me valeu não poucas críticas, mas eu sobrevivi. Prefiro ter dificuldades a aborrecer os outros.” Frases ditas pelos personagens permaneceram com o repórter e certamente vão repercutir nos demais espectadores – nós, o público. “A morte é o preço que a gente paga por viver”, “As histórias de amor só acabam bem no cinema”.

    Logo de cara, um letreiro informa – “Nossos melhores anos são aqueles que ainda não vivemos”. A frase é de Victor Hugo e Lelouch irá na contramão. Anne e Jean-Louis voltam-se para o próprio passado. Certo ou errado? Errado, porque na verdade eles estão construindo uma outra história. Caem na estrada (da vida). Lelouch iniciou a filmagem na Normandia, no final de 2018, mostrou o filme, em sessão especial, em Cannes – 2019. “As verdadeiras histórias de amor nunca terminam. Permanecem na lembrança, deixam traços. Foram esses traços que quis filmar.”

    E mais – “A vida é mais forte que a morte. Todos temos direito a uma segunda chance”. O diretor e o Brasil. “Estive aí algumas vezes. Na época de Um Homem, Uma Mulher. Depois, cheguei a pensar em fazer um filme no Brasil.” Talvez seja necessário um olhar não discriminatório para avaliar o diretor, como o que lhe permitiu ser homenageado – presencialmente – na Mostra de São Paulo. Em tempos de isolamento, com os brasileiros sofrendo restrições para entrar na Europa, é uma delícia rever Lelouch recuperando a cena em que atravessa Paris de carro, no original de 1966. “É a cidade mais bela do mundo. E a cena não tem nada de fake. Sou eu na direção, a 100 por hora. Filmei às 6 da manhã, quando Paris estava despertando. A velocidade, os semáforos, tudo é real. Paris et moi. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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