• Segurança, comércio e turismo sob fogo cruzado

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  • 12/06/2021 08:00
    Por Gastão Reis

    Cerca de 20 anos atrás, eu me lembro bem de uma reportagem, se não me engano, da revista ISTO É, sobre as cidades mais seguras do país. A matéria foi motivada pelos problemas de segurança pública que nos atazanavam já naqueles tempos. Por certo, foram tomadas algumas medidas para enfrentar o problema, em especial no estado do Rio de Janeiro, cuja capital sofria (e continua sofrendo!) os terríveis efeitos de não se poder andar nas ruas sem medo. Houve mesmo uma intervenção federal parcial no estado nesse setor em que recursos de muitos milhões de reais foram gastos no combate ao crime, aos traficantes e às milícias.

    Havia, entretanto, certas ilhas de relativa tranquilidade, como Petrópolis, considerada a sexta cidade mais segura do Brasil. As cinco primeiras eram cidades muito pequenas do Sul, pouco povoadas. Tal situação nos permitiria apontar Petrópolis, cuja população já se aproximava de 300 mil habitantes no ano censitário de 2000, como talvez a mais segura do país entre as médias.

    Sem dúvida, esse panorama configurava para a cidade uma posição ímpar detida por ela em vários outros campos e setores como sua industrialização pioneira, ainda no século XIX; ter a primeira ferrovia do país ligando-a ao Rio de Janeiro; ser capital do País nos três meses de verão, por cerca de um século, somados o Império e a república até 1960; e ainda o feito pouquíssimo conhecido e comemorado (complexo de vira-lata republicano?) de ter produzido o único brasileiro prêmio Nobel de Medicina, em 1960), Peter Brian Medawar. Apesar de ter também a nacionalidade inglesa, nasceu nessa bela cidade serrana, e nela estudou até seus 16 anos de idade, carregando sempre, vida afora, seus dois passaportes, o brasileiro e o inglês, sem jamais ter renunciado à nacionalidade brasileira.

    O tripé segurança-comércio-turismo (e indústria, se quisermos fazer justiça a Petrópolis), além de ter vida longa nessa região de clima ameno, ele nos revela sua importância para que o processo de desenvolvimento de um centro urbano possa se realizar em toda sua plenitude. O turismo, por exemplo, requer para seu sucesso como requisito número um o da segurança pública. Ninguém sai de casa para visitar ou fazer turismo numa outra cidade sabendo que corre o risco de levar um tiro no meio da rua. O mesmo requisito vale para as atividades comerciais como a da famosa Rua Teresa, nacional-mente conhecida, e para diversos serviços de hospedagem, alimentação e entretenimento, indispensáveis para o turismo em que Petrópolis se destaca. A participação desse setor em seu PIB é o dobro da do nacional.

    Infelizmente, esse panorama de tranquilidade de que a cidade gozou por muitas décadas vem-se alterando para pior. Nas últimas semanas, três joalherias foram assaltadas em pena luz do dia, sendo que duas na conhecida Rua 16 Março, o coração da cidade. Claro que isso fez soar o alarme na cabeça de todos no sentido de exigir que providências eficazes fossem tomadas.

    É fato que a cidade dispõe de mais de 25 conselhos municipais, sempre atentos a seus problemas, entre eles o de segurança pública e o de turismo e ainda o COMCIDADE, o conselho dos conselhos. Este foi criado por exigência de lei federal para termos acesso a recursos federais. Eles vêm desenvolvendo um trabalho cada vez mais profícuo como o COMTUR e o COMED, respectivamente, nas áreas de turismo e educação. Este último acabou de publicar um admirável trabalho de planejamento cuidadoso de volta às aulas com segurança para os alunos. Por circunstâncias diversas, acabei como membro de três deles.        

    Peter Drucker, pai da moderna administração privada e pública, nos alerta  para a diferença entre eficiência e eficácia. Eficiência é fazer uma tarefa de modo apropriado, como manda o figurino. Eficácia é saber se o figurino que está sendo seguido é o correto. Ou seja, antes de pensar que o cavalo mais rápido chega primeiro, é bom saber se está indo na direção correta.

    Tenho insistido, em artigos anteriores que, assim como a república não foi proclamada em benefício de todos, mas de poucos, o cavalo da segurança pública vem galopando na direção errada faz muito tempo. Existem situações em que temos que martelar a mesma coisa até surtir efeito.

    Nas pesquisas referentes às polícias dos países cuja segurança pública funciona a contento, não vamos encontrar escalas de trabalho de 24 por 72 duas horas. É sempre de 8 horas diárias na média. No Brasil, o profissional da área, como as PMs, a Polícia Civil e a Polícia Rodoviária, tem um turno de 24 horas diretas por 72 de folga. Trabalha um e se ausenta durante três dias. É evidente que acaba desenvolvendo outras atividades nesses outros dias. Se o faz, é porque encontra outra atividade mais rentável. Perde o foco naquela que deveria ser a sua principal. E justamente num setor de risco que exige preparo físico, muita pesquisa e inteligência para enfrentar com êxito a criminalidade.  

    O dramático dessa situação é que ela se enquadra naquele triste grupo das previsões fáceis de serem feitas. Dada a estrutura em que as polícias estão montadas, elas se enquadram no tipo do pau que nasce torto. Vai morrer torto. Vale dizer: enquanto essa situação de ineficiência estrutural não for resolvida, jamais teremos a segurança pública que merecemos.

    Ainda me recordo de um tenente-coronel da PM/RJ, muitos anos atrás, em artigo no Globo, se queixando do turno 24 por 72 horas.  Uma solução de curto prazo para cidades como Petrópolis seria restabelecer as antigas duplas de PMs Cosme & Damião. Circulando a pé, em horário de trabalho, pelas ruas centrais de intenso movimento, seriam fator de dissuasão e de informação para munícipes e visitantes. No campo das soluções abrangentes, o posicionamento da sociedade civil é fundamental para reformar e reorganizar nossas forças policiais em direção à eficiência e à eficácia. Caso contrário, tudo como dantes no quartel de Abrantes.

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