‘Eleição peruana é termômetro para região’, diz cientista político
Em um cenário político que já promete instabilidade por não haver uma maioria clara no Congresso, um resultado apertado dos votos no Peru poderá tornar a situação do próximo presidente ainda mais complicada, disse o cientista político Paulo Ramirez, na ESPM, em entrevista ao Estadão.
Esse cenário apertado era esperado?
No meio rural, sim. Mas dentro das cidades, a base mais volumosa de Keiko Fujimori, em Lima, nas regiões onde há um maior dinamismo econômico, nem tanto. Keiko, sendo filha de Alberto Fujimori, tinha muita rejeição. Aliás, o problema do Peru é que o país não tem Senado, só o Congresso e o presidente. E o Congresso, historicamente, sempre foi muito heterogêneo. Desde Fujimori, nunca conseguiu constituir maioria e oferecer governabilidade.
Por que o desempenho dela foi surpreendente?
A partir do segundo turno, Keiko conseguiu concentrar o apoio dos comerciantes, da indústria, até mesmo de grupos ligados aos EUA. O cenário que ela promete é manter um dinamismo econômico e, ao mesmo tempo, diz que quer fazer uma espécie de democracia com ditadura. Ou seja, uma linha-dura do neoliberalismo. Mas a dificuldade é conseguir governabilidade e isso só poderia ser alcançado com maioria no Congresso – e nenhum dos dois candidatos terá essa condição.
Então já existe essa herança, independentemente do resultado?
Sim, tanto é que os últimos presidentes foram depostos. Todos por corrupção. Sem maioria no Congresso, a única maneira de conseguir governabilidade é pela corrupção. Keiko traz toda uma herança do pai, pois ele, literalmente, cansado dessa dinâmica, fechou o Congresso, 30 anos atrás, e governou por decreto, de forma autoritária. Claro que ele também ganhou notoriedade por ter acabado com Sendero Luminoso.
Esta foi uma eleição de polarizações?
São dois discursos que estão frente a frente. De um lado, Pedro Castillo prometendo extinguir quase que por decreto a miséria. Por outro, Keiko prometendo manter os preceitos neoliberais, nem que seja usando a mão dura. Alcançamos esses dois extremos. Temos um candidato de extrema esquerda e uma candidata que não chega a ser extrema direita, mas é apoiada por grupos extremistas, incluindo neofascistas, no estilo dos apoiadores mais radicais de Jair Bolsonaro no Brasil. A eleição peruana é um termômetro para a América Latina.
Como essa apuração apertada afeta esse cenário?
O livro Como as Democracias Morrem, cujos autores começam seu estudo com a eleição de Donald Trump, afirma que o primeiro passo para você desestabilizar uma democracia é não reconhecer o resultado das eleições. Isso sugere uma instabilidade democrática e, quanto menor a vantagem de um candidato sobre o outro, maior a instabilidade. Talvez esse seja o caminho de Keiko, se perder, de não aceitar o resultado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.