• Um ano após a morte de George Floyd, reforma policial ainda patina nos EUA

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  • 23/05/2021 16:09
    Por Beatriz Bulla, enviada especial / Estadão

    Em enormes letras vermelhas pintadas no asfalto, o nome de Daunte Wright fica em evidência no meio das flores mortas, velas, cartazes e grafites que enfeitam o memorial em homenagem a George Floyd em Minneapolis. A rua onde o ex-segurança negro foi morto há um ano pelo policial branco Derek Chauvin virou símbolo da luta antirracismo na cidade.

    No entanto, a presença do nome de Wright é a lembrança incômoda de que a reforma policial exigida por manifestantes caminha a passos lentos e a realidade americana pouco mudou desde então.

    Em abril, Wright, um jovem negro de 20 anos, foi morto ao ser baleado por uma policial branca, que alega ter confundido a arma de choque com uma pistola. O caso aconteceu a 20 quilômetros de onde Floyd foi sufocado por Chauvin, que ficou por 9 minutos e meio ajoelhado sobre o pescoço dele.

    A reação à morte de Floyd em todo os EUA foi histórica e comparável por historiadores aos movimentos do fim da década de 60, após ao assassinato do líder Martin Luther King. Nas ruas, em 2020, manifestantes pediram que os governos cortassem o financiamento dos departamentos de polícia – o que foi traduzido por políticos moderados, como o então candidato à presidência Joe Biden, como um anseio por reforma policial.

    Mas, um ano depois, os EUA estão distantes de aprovar mudanças em larga escala no recrutamento, treinamento e na responsabilização de policiais com má conduta. E, sem mudanças concretas, o país também parece incapaz de evitar novos casos como o de Floyd ou de Wright.

    “Eu não espero nada do poder público. Não vamos esperar pelo governo, pela prefeitura, por ninguém. Como você se sentiria se percebesse que não consegue proteger seu filho ou seu sobrinho em razão da cor da pele deles? Se o governo não consegue resolver isso, por que vamos esperar por eles?”, questiona Remi Douah, que decidiu usar sua formação em saúde pública para atender voluntariamente pessoas que buscam orientação psicológica nos arredores do memorial em homenagem a Floyd.

    Douah é um dos que vai diariamente ao local para preservar a área e conversar com os que não seguram as lágrimas ou os gritos de raiva. Ele instala cadeiras de praia para um atendimento precário em frente a um gramado que imita um cemitério, com falsas lápides brancas que trazem nomes de negros mortos pela polícia.

    “Meu filho, de 20 anos, olhou para mim e me perguntou: ‘Pai, por que estão nos matando’? E quando isso vai parar? Ele foi fazer terapia após a morte de Floyd e eu decidi me envolver de maneira voluntária com outras pessoas que passem por isso”, conta. São os jovens, de acordo com ele, que mantêm acesa em Minneapolis a demanda por mudanças, ainda que não consigam vislumbrar alterações concretas no sistema de Justiça e na polícia.

    Minneapolis parece viver em um limbo. As marcas do que aconteceu no ano passado estão no centro esvaziado após os protestos violentos de um ano atrás e nas homenagens no local do assassinato de Floyd. Estão também nas histórias que cada um dos moradores conta sobre a semana de 25 de maio.

    Mas, especialmente, estão na perspectiva de que tudo pode acontecer novamente: tanto a violência policial como a reação nas ruas. A cidade não é como antes da morte de Floyd, mas os moradores tampouco conseguem apontar como será o futuro.

    Ao menos 30 dos 50 Estados americanos aprovaram alguma medida de reforma policial desde a morte de Floyd, segundo levantamento do jornal New York Times. Minnesota e outros 15 Estados restringiram o uso de métodos de estrangulamento, por exemplo. No entanto, os anúncios de medidas locais são muitas vezes seguidos de obstáculos políticos para concretizá-los.

    O Estado de Nova York, por exemplo, ganhou destaque no noticiário com o anúncio de que a procuradoria-geral apoia o fim do uso de armas letais em abordagens policiais. A medida, no entanto, ainda precisa da aprovação do Legislativo estadual.

    Em Minneapolis, os vereadores da Câmara Municipal sinalizaram, no ano passado, que ouviriam o clamor popular para acabar com o departamento de polícia – que acumula um histórico de violência contra a população negra. A ideia seria refundá-lo, começando do zero, mas os políticos voltaram atrás com apoio do prefeito, um democrata moderado. A maior pressão sobre o sistema policial local vem agora não da classe política, mas de investigações judiciais, como a aberta por Keith Ellison, procurador-geral no Estado, e pelo Departamento de Justiça dos EUA. Para os manifestantes, a maior vitória veio também do Judiciário, após um júri considerar Chauvin culpado nas três acusações de homicídio no caso Floyd.

    A falta de diretrizes nacionais faz com que cada Estado e cidade adote um procedimento diferente. Mesmo quando mudanças são implementadas, não há resultado uniforme, pois não há uma orientação geral de qual tipo de treinamento deve ser adotado. Há 18 mil departamentos de polícia nos EUA, sem dados unificados. Em regiões com perfil democrata, como Nova York, é mais fácil emplacar avanços do que nos Estados republicanos, onde a resistência é muito maior.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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