‘Sincerão’, Aziz se equilibra no fogo cruzado da CPI
Ao fim das três primeiras semanas de depoimentos na CPI da Covid, o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), está convicto de que o governo cometeu uma série de erros no combate à pandemia. Mesmo expondo impressões críticas, o parlamentar assumiu um tom paternal ao liderar os trabalhos no fogo cruzado entre governistas e opositores, garantindo, até aqui, que ambos os lados pressionassem e defendessem os convocados.
O estilo do senador resultou em reconhecimentos até de aliados do Planalto, minoritários na CPI que mais despertou atenção nos tempos de predomínio do Twitter e do Facebook, com potencial explosivo contra o governo de Jair Bolsonaro. “Esta CPI é diferente das outras porque é a primeira que está na casa de todos os brasileiros. Temos uma responsabilidade com as mais de 446 mil famílias enlutadas”, diz o senador ao Estadão. “Quem quiser politizar, vai precisar responder aos brasileiros. Não vou permitir politização. Estamos fazendo uma investigação com o máximo de isenção”, ressaltou. “E que todos os brasileiros recebam as suas duas doses de vacina.”
Aos 62 anos, engenheiro civil e paulista de Garça – mas com carreira política feita toda no Amazonas -, Aziz não dispensa, no dia a dia da CPI, algumas alfinetadas para pontuar sua insatisfação com as respostas escorregadias dos convocados, alguns deles ex-ministros interessados apenas em adular o presidente da República.
Quando o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, sentado ao seu lado, recusou-se a responder ao relator, Renan Calheiros (MDB-AL), se concordava com o ponto de vista de Bolsonaro sobre o uso da hidroxicloroquina contra a covid, Aziz saiu-se com esta: “Até minha filha de 12 anos falaria ‘sim’ ou ‘não'”. No mesmo depoimento, tomou a liberdade de aconselhar Queiroga ao estilo “sincerão”. “Aconselho V. Exa. a ser bastante objetivo para que não haja, mais tarde, problemas pessoais para V. Exa., porque, pelo andar da carruagem, se troca de ministro como quem troca de camiseta.”
Na oitiva de Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), ligado ao Planalto, disse que o depoente estava sendo humilhado e induzido. Aziz retrucou: “Humilhado é 425 mil mortes neste Brasil. Essas pessoas estão sendo humilhadas porque não tem vacina no País. Ele? Ele está muito bem protegido, todo mês tem o dinheirinho dele para comer”, disse.
Tradicionalmente, os relatores são os que mais se destacam na história das CPIs. Eles têm tempo livre para interrogatórios, podem partir para inquisições e direcionam as conclusões. Esse poder foi entregue por Aziz a Renan Calheiros. Contudo, desde antes do início dos trabalhos, a imparcialidade do veterano relator é questionada pelos governistas.
‘Deixa disso’. Nos embates mais acirrados, Aziz é partidário do “deixa disso”: entra em campo apaziguando e suspende a sessão por alguns minutos para frustrar o objetivo dos brigões de fazerem performances caprichadas para câmeras e microfones. No insulto mais grosseiro até aqui, quando Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), chamou Renan Calheiros de vagabundo, Aziz tirou por menos e paralisou a reunião para abreviar a briga. “Senador Flávio, eu estou tentando equilibradamente conduzir as coisas. E as agressões aqui não vão levar a lugar nenhum.”
Aziz é de um partido que, em tese, está na base do governo Bolsonaro. A escolha dele para a presidência contou com o aval do governo. O Planalto vislumbrou a possibilidade de um parlamentar da oposição ocupar o posto. O requerimento de instalação da CPI partiu de Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Geralmente, quem propõe uma comissão a preside. Randolfe tornou-se o vice-presidente e trabalhou para que Renan Calheiros fosse confirmado na relatoria. Sob os holofotes de uma CPI, porém, toda ligação com o Planalto tem limite. O fato de Aziz ser do Amazonas, onde em janeiro o sistema de saúde entrou em colapso por falta de oxigênio para pacientes com a covid-19, dá a ele motivos para fincar os dois pés na procura por culpados.
Segundo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), ele tem mantido o equilíbrio, “buscando valorizar as posições de todos os membros da comissão, independentemente das suas”. Seu maior arroubo, até aqui, foi uma reação à tentativa do governista Luis Carlos Heinze (Progressistas-RS) de poupar o ex-ministro Eduardo Pazuello, alegando que o governo Bolsonaro havia enviado mais de R$ 2 bilhões ao Amazonas no ano passado. Aziz gritou e chamou Heinze de mentiroso. Em seguida, desculpou-se.
“Faltou oxigênio”, disse, “as pessoas morreram. Eu recebi, no meu celular, mensagens de amigos, dizendo: ‘Meu pai está sem oxigênio. Omar, me ajude’. E fiquei ligando para ministro, atrás de oxigênio. E a gente de mãos atadas. Nunca foi falta de dinheiro”.
Omar Aziz caiu nas graças de internautas. Uma publicação que viralizou horas antes do depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo o associava ao técnico da seleção brasileira conduzindo os jogadores até o estádio em dia de Copa do Mundo. “O técnico Omar acredita em bom jogo”, dizia o post.
De fato, o senador aumentou a relevância nas redes. Do início da CPI até sexta-feira, ganhou 28 mil seguidores no Twitter. Chegou a 85,7 mil. Apenas no segundo dia de depoimento de Pazuello mais de 6 mil usuários aderiram ao perfil. Ganhou mais do que Renan Calheiros, que passou de 173 mil para 191 mil.
Lutas antigas. Na internet, ele apresenta um perfil jovial, antenado. O estilo “quadradão” do senador que ganhou a simpatia das redes também pode ser aplicado à própria sistemática de CPI, um instrumento que desde as investigações do mensalão não atraía tanta audiência e voltou aos holofotes.
A postura de Aziz nas redes e no plenário lhe valeu a alcunha de “herói com voz de vilão”, referência ao seu tom rouco. Ele tem uma empresa para gerenciar toda a sua comunicação. Seu perfil oficial interage durante as sessões, pede sugestões e embarca em brincadeiras. A um usuário que perguntou qual filme veria no fim de semana, respondeu: “‘Retroceder nunca… render-se jamais!’.
A CPI marca a entrada do senador no jogo político nacional. No Amazonas, foi vereador e vice-prefeito de Manaus, deputado estadual e governador. Em 2019, uma investigação sobre contratos do governo para a gestão de unidades de saúde prendeu sua mulher, a deputada estadual Nejmi Aziz, e três irmãos. O senador não se tornou réu.
Com Aziz na CPI, apenas algumas páginas da extrema-direta na internet fizeram menção ao caso. Os governistas precisam dele para que os requerimentos que visam ampliar o foco da comissão sejam votados. Também cabe ao senador tomar algumas medidas que os governistas trabalham para evitar. Foi dele a decisão de negar o pedido de prisão de Wajngarten, feito por Calheiros. “Não serei carcereiro.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.