Olavista ganha espaço no Ministério da Saúde e já busca ‘nova cloroquina’
Possível alvo da CPI da Covid no Senado, o médico Hélio Angotti Neto chegou a entrar na lista de demissões do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, mas continua na pasta, e mais forte. Com apoio do presidente Jair Bolsonaro, o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE) agora trabalha para emplacar uma “nova cloroquina” como bandeira do governo federal.
Seguidor do escritor Olavo de Carvalho, tido como “guru do bolsonarismo”, e entusiasta do chamado “tratamento precoce”, Angotti deve ser questionado pelos senadores justamente sobre o incentivo do ministério ao uso de medicamentos sem eficácia contra a covid-19. As especulações sobre a demissão dele foram encerradas no dia 8, quando o médico participou de uma live ao lado de Bolsonaro. Ambos estavam sem máscara.
Dias antes, o secretário chegou a se despedir de sua equipe, mas o novo ministro desistiu da troca, segundo apurou o Estadão. Na leitura de auxiliares de Queiroga, pesou o bom relacionamento de Angotti com Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O secretário e o deputado participaram de comitiva do governo brasileiro que foi a Israel, em março, para conhecer estudos sobre um spray nasal experimental contra a covid-19. Além de ter sido mantido no cargo, Angotti ganhou uma queda de braço dentro do Ministério da Saúde. No dia seguinte à live com Bolsonaro, a farmacêutica e servidora de carreira da pasta Camile Sachetti foi exonerada do cargo de diretora de Ciência e Tecnologia do ministério, área que lida com o fomento à pesquisa.
Camile Sachetti e Angotti têm posições opostas sobre a cloroquina. Questionado por representantes de entidades científicas, Queiroga tentou minimizar a demissão, afirmando que ela, na verdade, iria se tornar assessora direta do ministro. A nova função, porém, não foi aceita. A exoneração é atribuída ao secretário Angotti.
Próximo de completar um mês como ministro, Queiroga mantém intacta a ala de secretários que defende o uso de medicamentos sem eficácia. A médica Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, conhecida como “capitã cloroquina”, está no grupo. Ela e Angotti devem ser chamados à CPI no Senado, segundo um roteiro preliminar. O secretário de Atenção Primária à Saúde, Raphael Parente, é associado a esta ala, mas não defende esses medicamentos.
Bolsonaro se aproximou de Angotti no momento em que o governo busca uma “nova cloroquina”. O médico esteve em Israel para conhecer o spray nasal EXO-CD24. O produto havia sido tratado como “milagroso” por Bolsonaro, mas o grupo voltou ao Brasil sem a esperada carta de intenções para participar dos estudos. Outra opção de nova bandeira do governo foi apresentada durante a live com Bolsonaro: a proxalutamida.
O médico disse que a droga se mostra “muito promissora”. Em março, um grupo de pesquisadores apresentou dados de estudo feito no Amazonas, ainda não detalhado em artigo científico ou analisado por cientistas independentes. Ao lado de Bolsonaro, Angotti afirmou que há conversas com a Fiocruz para levar a pesquisa à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Especialistas consultados pelo Estadão Verifica disseram que ainda é cedo para afirmar algo sobre a eficácia.
Influência
Angotti chegou à cúpula da Saúde em junho, na gestão Eduardo Pazuello. Ele foi indicado ao cargo pela secretária Mayra Pinheiro e já atuava na pasta em cargo de menor poder. A promoção de Angotti reforçou a ala conservadora, tida como “bolsonarista raiz”. A secretaria comandada pelo médico olavista é considerada estratégica. Além de acompanhar pesquisas e novas tecnologias em saúde, comanda o complexo industrial do setor. O secretário lida, por exemplo, com as parcerias bilionárias entre laboratórios públicos e privados para a produção de medicamentos, as PDPs.
Pazuello teve divergências com Angotti e Mayra durante a sua gestão. Ele se queixava a auxiliares de que o grupo conduzia uma “agenda própria”. Em setembro, o Estadão revelou que a pasta planejava um “dia D” para o tratamento precoce, com reforço de estoques e distribuição de cloroquina. Apesar de também ser defensor dos medicamentos sem eficácia, a divulgação do evento irritou o general, que atribuiu, nos bastidores, a iniciativa à ala composta por esses secretários.
Em discurso de despedida da Saúde, no mês passado, Pazuello ligou a sua demissão a um complô de políticos interessados em verba pública e “pixulé”, além de médicos de dentro do ministério que espalharam boatos de que era contra a cloroquina. Na leitura de auxiliares, o segundo recado foi direcionado às equipes de Angotti e Mayra Pinheiro, que teriam levado a Bolsonaro uma frágil nota técnica defendendo o tratamento precoce. Procurado para comentar o assunto, o Ministério da Saúde não se manifestou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.