ONGs tentam evitar ‘boiada’ com PL do licenciamento e regularização fundiária
No momento mais crítico da pandemia em todo o País, organizações socioambientais se articulam para tentar evitar que o Congresso Nacional paute projetos de lei que alteram sensivelmente as regras de licenciamento ambiental e regularização fundiária, temas que ainda precisam de ajustes e debate até que se chegue às melhores propostas possíveis, para então serem levados ao plenário.
Nesta terça-feira, 13, representantes das principais organizações do País tiveram reuniões no Congresso com o deputado Neri Geller (Progressistas-MT). Vice-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), Geller é relator do projeto de lei que propõe uma revisão geral nas regras de licenciamento ambiental do País. O tema da regularização fundiária foi tratado com o deputado Zé Silva (Solidariedade-MG) e Bosco Saraiva (Solidariedade-AM).
O Estadão teve acesso a duas cartas elaboradas pelas organizações ambientais, nas quais as ONGs levantam questionamentos sobre as propostas. Os documentos são assinados pelo Observatório do Clima, Instituto Socioambiental, WWF Brasil, SOS Mata Atlântica, Instituto Democracia e Sustentabilidade, Greenpeace, Instituto Sociedade, População e Natureza e Instituto de Estudos Socioeconômicos.
Sobre o licenciamento ambiental, a avaliação é de que há consenso sobre a necessidade de o País ter uma lei específica sobre o tema, que trate de modalidades simplificadas de licenciamento para empreendimentos de baixo impacto e risco. No processo de debate da Lei Geral, já se caminhou para acordo em relação a diversos pontos e houve concessões relevantes por parte dos ambientalistas. As organizações ponderam, no entanto, que no momento atual o Congresso tem de concentrar todos os seus esforços para a votação de matérias e o acompanhamento de ações governamentais que digam respeito ao controle da pandemia.
“Acreditamos que não há condições mínimas de deliberação no processo do PL 3.729 no quadro atual da crise sanitária, a maior tragédia humanitária da história recente”, declaram as ONGs. “Um texto complexo como o da Lei Geral, que impacta praticamente todas as atividades socioeconômicas e os direitos de milhões de pessoas, não pode ser votado diretamente em plenário, sem que a sociedade tenha conhecimento prévio e possa debater com seriedade o conteúdo.”
A votação às pressas, argumentam, é inaceitável, porque existem propostas apresentadas em versões anteriores que podem levar à desfiguração do licenciamento ambiental, inviabilizando o alcance de suas finalidades. “Consideramos que pretender votar um texto ainda desconhecido da sociedade, cujas versões apresentadas até o momento reúnem esse nível de divergência, em rito célere, no curto prazo, vai conferir à lei eventualmente votada a marca da ilegitimidade, concorrendo para mais insegurança jurídica, exatamente o contrário do que se pretende com a Lei Geral do Licenciamento Ambiental.”
Sobre o tema da regularização fundiária, as organizações alertam sobre dois projetos em tramitação. Enquanto no Senado é apresentado o PL 510/21, na Câmara dos Deputados se cogita colocar em votação o PL 2633/20. De comum, ambos derivam do texto original da MP 910, conhecida como MP da Grilagem, por mudar a lei para favorecer grandes ocupantes de terras públicas invadidas recentemente.
“Não há razão para aprovar nenhum dos projetos, pois não há qualquer necessidade de modificação do atual marco legal para que os mais de 100 mil posseiros registrados no Incra possam receber seu título de propriedade. Para aqueles que há décadas ocupam e produzem em terras públicas, a legislação atual já é suficiente”, afirmam.
As organizações também chamam a atenção sobre a necessidade de vistorias. “Muito se fala na necessidade de simplificar as vistorias de campo, mas a legislação atual já dispensa vistoria em 90% dos casos (imóveis menores de 4 módulos fiscais) e permite o uso de tecnologias alternativas para fazer essa verificação, como é o caso de imagens de satélite. Para os demais 10% de imóveis, que ocupam 60% da área, não é razoável dispensar a vistoria, pois é justamente nesse grupo que se escondem os criminosos que vivem de invadir, desmatar e revender terras públicas.”
O PL 510/21 altera mais uma vez a data limite para que invasões de terras públicas sejam legalizadas (passando de 2011 para 2014) e permite que grandes áreas (de até 2500 hectares) possam ser tituladas sem necessidade de vistoria. “Cientes de que a grilagem de terras públicas é responsável por 1/3 do desmatamento no país, além de ser promotora de uma espiral de violência, seria um absurdo aprovar um projeto como esse”, declaram.
Já PL 2633/20 possui uma brecha que, segundo as organizações, permitiria legalizar via licitação áreas públicas invadidas após a data limite de ocupação prevista em lei. “Aprovar nesse momento uma legislação que, na melhor das hipóteses, é desnecessária, é uma afronta à sociedade brasileira, a qual seguramente será notada pela comunidade internacional, que já vê horrorizada o aumento descontrolado no desmatamento no país, insuflado, sobretudo, pela grilagem”, concluem.