“Agonia sem fim”: este é o sentimento de Daniela de Azevedo dos Santos, que está com o pai, Antônio Manoel dos Santos, de 73 anos, internado desde fevereiro no Hospital Alcides Carneiro. Quem vive o drama de ter um familiar ou uma pessoa querida internada por causa da covid-19 tem vivido dias doloridos, sempre à espera de notícias e torcendo pelo fim desse grande desastre.
Daniela está com o pai internado desde o dia 19 de fevereiro. Ele deu entrada na emergência com a suspeita de estar pedras na vesícula, precisou ser internado e passou por uma cirurgia.
No fim de fevereiro, no dia que teve a alta médica, um dos pontos da cirurgia se rompeu e ele precisou ficar mais alguns dias internado em observação. De acordo com a Daniela, nesse meio tempo, o pai contraiu covid-19, seu quadro de saúde se agravou e ele acabou sendo transferido do leito de enfermaria pós operatório, direto para uma UTI covid-19, na mesma unidade.
“Já é muito ruim descobrir tudo isso muito rápido, porque infelizmente a biópsia mostrou que é maligno. E ainda pegou a covid-19. É uma agonia sem fim”, disse Daniela.
Além de não poder ver o pai neste quase um mês em que ele ficou internado na UTI covid-19, por causa dos protocolos de segurança, há a incerteza sobre como o pai contraiu a covid-19 e o medo de que ele não se recuperasse devido da fragilidade da sua saúde, estão sendo dias difíceis para a família, como Daniela descreveu.
Casos como o relatado pela Daniela não são isolados: além da covid-19, todas as outras urgências da saúde não pararam. As cirurgias eletivas foram suspensas e retomadas várias vezes por causa do agravamento da pandemia, e as consequências dessa pausa necessária, serão sentidas a longo prazo.
“Não tenho palavras para explicar o que estou sentindo”
A frase acima é de Patrícia da Silva, filha de Antônio Carlos da Silva, de 64 anos, que está internado com covid-19 na UPA Cascatinha. Após dias com sintomas, e com o agravamento do quadro, ele buscou a unidade de urgência nesta quarta-feira e logo precisou ser entubado.
Na casa do idoso, sua esposa Nilza da Silva, de 65 anos, o cunhado e a irmã também estão com covid-19. Patrícia conta que tem sido dias difíceis sem muitas notícias do pai, sem poder vê-lo. Os boletins médicos são informados uma vez por dia, mas sem a proximidade do contato, a sensação que fica é de vazio. “A gente recebe informações sobre o estado de saúde, mas sem poder vê-lo como é difícil saber se ele está bem ou não”, disse.
A mesma pandemia, mas com perfis diferentes
O cenário da pandemia mudou muito desde o ano passado: o público que era considerado o mais vulnerável ao vírus (idosos e pessoas com comorbidades) começou a ser vacinado e, dessa vez, são os jovens que estão sendo derrubados pela covid-19.
De um lado há as ações governamentais para tentar a conter o avanço, com pouca ou nenhuma adesão da população, até por incentivo do presidente Jair Bolsonaro, que vem se posicionando contra as medidas de isolamento.
Por outro lado, há a parcela da população que contínua sendo severamente castigada pela doença, a rede de saúde já em colapso, e nas portas das unidades hospitalares, o que se escuta é o drama de quem reza todos os dias pela recuperação de entes queridos.
Em meio às medidas estaduais e municipais para conter o avanço da pandemia, a única solução segue sendo a vacina. Mas especialistas acreditam que medidas efetivas, com adesão da população, podem ajudar a diminuir o avanço do vírus.
Infectologista: “estamos entre a cruz e a espada”
Na avaliação de especialistas, o cenário da pandemia está no seu nível mais crítico, a crise atinge tanto a rede pública quanto a privada. Em Petrópolis, diariamente, a população tem acompanhado o boletim epidemiológico que é divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde com os números que mostram a explosão de casos e alta taxa de internação nas unidades hospitalares.
Para o médico infectologista Marco Liserre, que é Chefe do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Municipal Nelson de Sá Earp e médico do Hospital Unimed Petrópolis, neste momento, apenas ações coordenadas e um lockdown nacional poderia ajudar a frear o avanço da covid-19.
“Eu acho que sem ações coordenadas nunca vamos chegar a lugar nenhum.
Acho que somente um lockdown nacional por no mínimo quinze dias, fechando tudo, deixando somente os serviços essenciais, poderíamos conter esse desastre. Mas com esse governo negacionista acho muito difícil isso acontecer. A vacina é uma solução. Mas até chegarmos a 70% das pessoas vacinadas muita gente vai morrer, por falta de politicas públicas integradas, com a batuta do Ministério da Saúde”, disse o médico.
As medidas de restrição em Petrópolis
Petrópolis vem adotando medidas de restrição desde o dia 05 de março, mas com pouca adesão da população. Alguns estabelecimentos insistiram em abrir, desrespeitando os decretos municipais, ou até mesmo recorreram na justiça para conseguir garantir a vendas da páscoa. Como foi o caso das Lojas Americanas, na Rua do Imperador, que conseguiu uma liminar na justiça para a reabertura no feriado do dia 02 de abril.
“As pessoas continuaram a aglomerar na Páscoa. Muitas pessoas sem máscaras nas ruas, como se estivéssemos com a vida normal. Aumentaram o número de doentes graves jovens, sem comorbidades inclusive. Equipes de saúde exaustas.
Cenas muito tristes com muitas famílias com muitas perdas”, lamentou o médico.
Liserre trabalha na linha de frente desde o início da pandemia e disse que o cenário atual no país e no município o deixou pessimista em relação a perspectivas de melhora. E em Petrópolis, a previsão é que as medidas de restrição tomadas neste último mês comecem a surtir efeito somente nas próximas semanas. “Agora é esperar e ver nas próximas duas semanas se essas ações vão dar algum sinal de melhora. Estamos entre a cruz e a espada”, disse o médico.