• Prefeitura de São Paulo instala escadas de acesso e ‘minipraças’ no Minhocão

  • 07/04/2021 15:19
    Por Priscila Mengue e Tiago Queiroz / Estadão

    O Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, está passando por mais adaptações em meio ao processo de desativação gradual. A Prefeitura de São Paulo começou a instalar dois acessos de pedestres, assim como concluiu a criação de duas unidades, debaixo do viaduto, do Centro Aberto, programa que faz intervenções em áreas públicas, com mobiliário urbano, disponibilização de internet gratuita e realização de atividades culturais e esportivas. Por causa da pandemia, nenhuma das novas estruturas tem previsão de inauguração.

    A definição do destino do elevado, no centro paulistano, segue em estudo pela gestão Bruno Covas (PSDB), sem data de conclusão, embora o prefeito tenha chegado a anunciar projeto em 2019 de transformação de um trecho em parque. Ao Estadão, o município afirmou que vai considerar sugestões da “sociedade civil” e “todas as hipóteses apontadas pelo Plano Diretor” (demolição e transformação parcial ou total em parque).

    Os dois novos acessos consistem em escadas provisórias de metal dispostas nas imediações dos Terminal Amaral Gurgel e da Praça Marechal Deodoro, com conclusão da instalação neste mês. Eles atendem a exigências de segurança demandadas pelo Ministério Público, assim como foi a colocação de gradis na parte superior.

    Segundo a Prefeitura, o custo estimado de manutenção mensal é de R$ 15 mil, com previsão de permanência por 24 meses. O objetivo é conectar frequentadores dos espaços debaixo do elevado com a área suspensa. Paralelamente, a gestão diz estar “estudando as condições para instalação de outros acessos definitivos ao longo do elevado”.

    Nas proximidades das escadas, estão as duas novas unidades do programa Centro Aberto, prontas desde o fim do 2º semestre de 2020, mas não inauguradas por causa da crise sanitária, segundo a Prefeitura. Os espaços funcionam como “pocket parks” temporários, com aparelhos de ginástica, bancos, mesas de piquenique e brinquedos, e também realizam atividades lúdicas e culturais.

    O custo de implantação estimado é de R$ 1,8 milhão, conforme a gestão municipal. Diferentemente das demais, as unidades junto ao Minhocão também funcionarão nos domingos e feriados, e há, ainda, a previsão de entrega de outras duas no entorno.

    Mudanças no viaduto dividem opiniões

    As intervenções dividiram opiniões entre os dois principais movimentos que reivindicam mudanças no elevado. Para Felipe Morozini, presidente da associação Parque Minhocão, trata-se de “mais um passo importante para o fechamento para carros”.

    “Se o elevado já tem o uso feito pelas pessoas, então vamos fazer rampas, escadas, porque as entradas que existem foram teoricamente feitas para carros”, aponta. Ele também elogia os Centros Abertos, como uma forma de “requalificação do espaço público”.

    Já Francisco Machado, um dos diretores do Desmonte Minhocão, critica as intervenções e diz que pretende acionar o Ministério Público contra o que chama de “farra de dinheiro público”. Para ele, as escadas e a manutenção da estrutura do elevado pioram a segurança da região, além de outros danos.

    “É lamentável que, no meio dessa pandemia, com milhares de mortes, carência de atendimento do serviço municipal, a Prefeitura esteja despendendo para essas escadarias. Pergunto: qual é a prioridade: saúde pública ou escadarias?”, completa.

    O urbanista Guido Otero, conselheiro da Comissão Executiva da Operação Urbana Centro, destaca que a instalação de escadas é uma discussão antiga, até como forma de ampliar as saídas de emergência nos dias em que o elevado é frequentado por pedestres e ciclistas.

    Para ele, o fato de serem estruturas provisórias se alinha às ideias da associação Parque Minhocão, “que defende projetos-piloto para ver como se comportam”. “A Prefeitura está indo devagar com esse assunto (destino do elevado), sabendo que é um tema polêmico.”

    Professor de Urbanismo e coordenador do Laboratório de Projetos de Políticas Públicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Valter Caldana destaca que as intervenções têm caráter temporário. “Mais uma vez se está lidando com o Minhocão a partir de paliativos, que não apontam claramente o destino definitivo.”

    Ele lembra que o destino do elevado é discutido abertamente há cerca de 10 anos. A desativação está prevista no atual Plano Diretor, de 2014, cuja revisão prevista para este ano pode retirar a obrigatoriedade de acabar com a estrutura ou transformá-la em parque.

    Por essa indefinição, o urbanista vê como sensata a implantação de escadas temporárias. “A escada é com material desmontável porque: vai saber o que acontece lá na frente”, comenta.

    “As escadas, tem de fazer? Tem, tem de ter bom senso e fazê-las provisórias, porque não se sabe o futuro. O Centro Aberto é bem-vindo? Sempre. Vai melhorar alguma coisa? Não. A questão principal que a cidade tem de resolver é o que fazer com o Minhocão.”

    Ele elogia a ampliação dos Centros Abertos. “É um programa muito bem-vindo, que é a única coisa sintonizada minimamente com o urbanismo contemporâneo feito nas maiores cidades do mundo (com intervenções de baixo custo em áreas estratégicas, no chamado ‘urbanismo tático’).”

    De 2014, o programa é inspirado em experiências estrangeiras e teve consultoria do urbanista dinamarquês Jan Gehl. A maioria das suas unidades fica na região da Sé, mas uma ampliação mais recente levou ao “centrinho” de bairros como Pari e Freguesia do Ó. A mais popular é a do Largo São Bento, procurada especialmente pelos jogos de xadrez, o empréstimo de cadeiras de praia e eventos do Sesc.

    Na manhã de segunda-feira, 5, a professora aposentada, Ivete Oliveira Verzonni, de 88 anos, acompanhada da cuidadora de idosos Lena, observava os aparelhos de ginástica do Centro Aberto do Terminal Amaral Gurgel. Moradora do Largo de Santa Cecília, ela costuma caminhar pela região e já planeja utilizar os equipamentos do espaço. “Quero fazer algum que exercite meus braços”.

    Por outro lado, a novidade não altera as expectativas das centenas de pessoas em situação de rua que moram no entorno do elevado, como Clervilmar Clervil, de 47 anos, imigrante haitiano que está há seis anos no País e seis meses debaixo do Minhocão. “Para mim, é uma vergonha muito grande estar assim nessa situação. Muita gente me chama de ladrão por aqui, mas nunca roubei e só entro em um supermercado quando tenho pelo menos uns R$ 5 ou R$ 6 para gastar.”

    Minhocão de Madri será encerrado

    A prefeitura de Madri confirmou no fim de março que irá iniciar estudos para acabar com o grande elevado da autopista M-30, na região central, até 2023, segundo a imprensa local. A decisão é reivindicada há anos como forma de reduzir desigualdades sociais e a poluição sonora e do ar.

    O urbanista Valter Caldana explica que o viaduto é o “Minhocão de Madri”. Assim como a capital espanhola, outras tantas grandes capitais tiveram obras semelhantes nos anos 60 e 70. “Todas as cidades do mundo que tem o seu Minhocão estão dando um jeito de tirar. Foi feito em Seul, em Boston, em um monte de lugares, até no Rio.”

    Ele compara que o elevado espanhol, assim como o paulistano, também divide a região central entre o lado “rico” e o “pobre”, em que um é mais equipado do que o outro. Na imprensa local, a obra também é chamada de uma “cicatriz” na cidade, por dividir Puente de Vallecas e Retiro.

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