• Marco Aurélio critica liberação de cultos e missas pelo ‘novato’ Nunes Marques

  • 04/04/2021 12:30
    Por Amanda Pupo, Rafael Moraes Moura e Pepita Ortega / Estadão

    O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio Mello, criticou neste domingo (04) a decisão do colega na Corte, Kassio Nunes Marques, de liberar a realização de cultos e missas no pior momento da pandemia de covid-19 no País, que já matou 330 mil brasileiros. “Pobre Judiciário”, disse o ministro. Chamado de “novato” por Marco Aurélio, o indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga no STF em outubro do ano passado atendeu no sábado (03) um pedido feito pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) ao tribunal.

    “O novato, pelo visto, tem expertise no tema. Pobre Supremo, pobre Judiciário. E atendeu a Associação de juristas evangélicos. Parte legítima para a ADPF (tipo de processo que discute cumprimento à Constituição)? Aonde vamos parar? Tempos estranhos!”, disse Marco Aurélio ao Estadão. O ministro tem aposentadoria marcada para julho, abrindo uma segunda vaga para indicação de Bolsonaro.

    A medida de Nunes Marques – que proíbe Estados e municípios de suspenderem completamente celebrações – destoa de outras decisões do STF, como a que deu autonomia para que governadores e prefeitos decretem ações de isolamento. Com base nisso, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), apontou ontem que não seguiria a decisão. Nunes Marques reagiu à declaração de Kalil e o intimou, devendo o prefeito esclarecer em 24 horas as providências tomadas para seguir o entendimento do ministro.

    Não há previsão de o plenário da Corte analisar o tema. A interlocutores, Nunes Marques alegou que a lógica adotada por Kalil não tem respaldo. Na visão do ministro, o que o plenário decidiu é que compete aos Estados e à União tomar medidas para enfrentar a pandemia, sem no entanto avançar na legalidade dos atos que vêm sendo adotados pelos governantes.

    Além da reação de Kalil, a posição de Nunes Marques também foi contestada pelo partido Cidadania, que pediu ao presidente do STF, ministro Luiz Fux, que derrube a decisão do colega. A sigla argumentou que a concessão feita pelo ministro cria um “verdadeiro privilégio odioso à liberdade de culto” sobre outras formas de liberdade de associação. O Cidadania ainda levantou outro ponto polêmico que envolve a decisão de Nunes Marques, sobre se a Anajure teria ou não direito (legitimidade, no jargão jurídico) de fazer o pedido à Corte Suprema.

    A mesma questão foi citada pelo decano da Corte, Marco Aurélio, ao Estadão. “Aonde vamos parar?”, se perguntou o ministro sobre Nunes Marques ter considerado a Anajure como entidade legítima a recorrer ao STF com tal solicitação. Em processos que discutem a constitucionalidade de atos e decisões, a Corte Suprema tem regras sobre quem pode ou não apresentar uma ação desse tipo ao tribunal. Inicialmente, a Advocacia-Geral da União (AGU) alegou que a Anajure não tinha legitimidade para pedir a liberação de cultos e missas pelo País.

    Responsável por defender judicialmente os interesses do Planalto, que se opõe publicamente às medidas restritivas impostas por Estados e municípios, a AGU mudou de posição, como revelou o Estadão. Após a decisão de Nunes Marques, o advogado-geral da União, André Mendonça, enviou uma nova manifestação ao tribunal, agora a favor do direito da Anajure recorrer ao STF no assunto.

    “Considerando o direito fundamental à liberdade de crença, a justificar a excepcionalidade do caso, registro o entendimento deste Advogado-Geral da União pela atribuição de legitimidade ativa à Requerente, na linha do distinguishing deduzido pelo Sr. Ministro Relator em decisão proferida nesta data”, escreveu o advogado-geral da União.

    Evangélico, Mendonça é um dos favoritos para assumir a vaga que será aberta em julho, com a saída de Marco Aurélio. Como mostrou o Estadão, a imagem do AGU, por sua vez, está desgastada com a estratégia do Palácio do Planalto de recorrer à Lei de Segurança Nacional (LSN) como instrumento para reprimir opiniões negativas e ácidas contra o governo do presidente Jair Bolsonaro.

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