• Livro constrói divertida biografia oral de Gabriel García Márquez pelos amigos

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  • 03/04/2021 08:00
    Por Ubiratan Brasil / Estadão

    Em 2001, a escritora colombiana Silvana Paternostro foi convidada por uma revista americana para escrever uma história oral de Gabriel García Márquez (1927-2014). Não seria algo grande, mas, mesmo assim, ela teve uma boa ideia: em vez de ouvir o que celebridades tinham a dizer sobre Gabo, preferia conversar com aqueles que o conheceram antes de se tornar um premiado escritor – amigos, familiares, jornalistas e, principalmente, os personagens que aparecem em Cem Anos de Solidão.

    Silvana gravou 24 fitas de conversas, na Colômbia e no México, até saber que o artigo não mais sairia. Guardou o material até que, em 2010, decidiu transformá-lo na base de um livro. Reouviu as conversas, deu boas risadas, mas percebeu que precisava fazer mais entrevistas para preencher algumas lacunas. Voltou a campo e, com um farto material, construiu Solidão e Companhia, delicioso conjunto de vozes que, como num quebra-cabeça, busca construir o perfil de Gabo. O livro sai agora pela Editora Planeta do Brasil, em seu selo Crítica (por R$ 49).

    Como bem define a autora, a obra é como uma festa em que os convidados falam sobre o anfitrião ausente, mentindo, exagerando, elogiando, fofocando. Todos trazendo histórias que, verídicas ou não, são originais. Solidão e Companhia (o título se refere a uma produtora de filmes que García Márquez desejava montar) se divide em duas partes – na primeira, A.C. (Antes de Cem Anos de Solidão), falam seus irmãos, assim como os amigos antes de ele se tornar o ícone latino-americano admirado internacionalmente. “Essa primeira parte reúne as vozes daqueles momentos irreverentes e esperançosos nos quais um menino provinciano decidiu se tornar escritor”, conta ela, lembrando que, para todos, ele era Gabito, jovem obstinado que sabia que o catatau que sempre carregava debaixo do braço se transformaria em algo muito importante.

    E na segunda parte, D.C. (Depois de Cem Anos), surge um García Márquez premiado, um homem célebre. Nesse momento, Silvana abre exceções e libera a voz para escritores conhecidos, como o argentino Tomás Eloy Martínez e William Styron, somente porque trouxeram contribuições valiosas. Martínez, por exemplo, disse que, para ser amigo de Gabo, nunca se devia escrever sobre ele. Para ser mais claro nessa relação de confiança, o argentino lembrou de uma história de quando Gabo vivia em Paris, jovem e pobre.

    “Ele viu Ernest Hemingway em um parque. Em vez de se aproximar e puxar conversa, decidiu gritar o nome dele do outro lado da pequena praça, levantar a mão e sinalizar com um gesto quanto o respeitava. Entendi o medo que sentia, pois é muito fácil ser tentado pela proximidade.”

    Apesar da grande profusão de personagens, quase todos desconhecidos para o leitor brasileiro, o que valem são as histórias – é preciso lembrar que Gabriel García Márquez (que não foi ouvido para o livro) sempre se inspirou em histórias e personagens com quem conviveu. Como seu avô materno, coronel Nicolás Márquez, com quem Gabito viveu os primeiros oito anos de vida.

    Eram apaixonados um pelo outro. O avô comemorava o aniversário do neto todos os meses, a fim de lhe fazer festa e lhe dar presentes. Margot, irmã de Gabito, também vivia ali, em Aracataca, assim como uma tia, Mama, mulher solteira e de personalidade forte. “Era ela quem guardava as chaves da igreja e as do cemitério. Um dia, vieram pedir as chaves do cemitério porque tinham de enterrar um morto. Tia Mama foi procurar as chaves, mas começou a fazer outra coisa e esqueceu-se delas. Cerca de duas horas depois, ela se lembrou, e o morto teve de esperar até que ela aparecesse com as benditas chaves. Ninguém se atreveu a lhe dizer nada”, conta Margot.

    As histórias de família povoaram a imaginação de Gabito, inspirando sua escrita. E sua vida mudou com o Nobel de Literatura em 1982 – a notícia chegou quando ainda era madrugada na Cidade do México, onde então morava. Os amigos iam chegando e encontraram Mercedes, mulher do escritor, com todos os telefones fora do gancho. O assédio que se tornaria corriqueiro já começara.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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