• Sob protesto, Queiroga visita USP, mas não responde sobre ‘tratamento precoce’

  • 25/03/2021 15:37
    Por Fabiana Cambricoli / Estadão

    Sob protesto de estudantes e gritos de ‘Bolsonaro genocida’, o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, visitou nesta quinta-feira, 25, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), onde se reuniu com diretores e professores da instituição.

    Em seu discurso para a comunidade acadêmica, o cardiologista adotou tom conciliador e pediu um voto de confiança aos colegas. Disse que está tentando montar uma equipe técnica e que a autonomia do médico está condicionada a “práticas cientificamente aceitas”, mas não respondeu objetivamente se, sob sua gestão, o Ministério da Saúde seguirá apoiando o uso de remédios como a cloroquina e a azitromicina contra a covid, defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como suposto “tratamento precoce” para a covid-19, mas que já se mostraram ineficazes contra a doença.

    Durante sua fala, o ministro afirmou que sua missão é “conquistar a confiança do presidente” Jair Bolsonaro para subsidiá-lo com as melhores informações para a tomada de decisões. Disse ainda que visitava a FMUSP para aprender, pois vê o local como “casa da ciência”. “E não existe medicina sem ciência”, completou.

    Ao final do pronunciamento, porém, a faculdade abriu espaço para perguntas, e um estudante do centro acadêmico da faculdade o questionou se ele se colocaria contra o chamado tratamento precoce ou se manteria o posicionamento “negacionista” do governo federal. Queiroga desconversou e voltou a afirmar que o objetivo é fornecer informações ao presidente.

    “Acho que sua pergunta já foi respondida com a minha fala. Cada um de nós temos que colocar um tijolo nessa parede que aqui estamos construindo e a argamassa que solidica essa parede somos todos nós. Vamos olhar para frente, vamos deixar de gerar calor. O que nós queremos é luz, não calor. Estamos aqui para dialogar com a sociedade brasileira. Eu preciso da colaboração, sobretudo um voto de confiança de cada um de vocês, para que possamos construir um ambiente melhor e para que eu possa ser útil, subsidiar nosso presidente da república com informações que o convençam acerca do melhor caminho a ser seguido. Se eu conseguir fazer isso, a minha missão estará cumprida”, declarou o ministro.

    Queiroga deixou no ar como pretende tratar o tema da prescrição dos remédios ineficazes contra a covid. O Conselho Federal de Medicina (CFM) afirma que ainda não há consenso científico sobre o tema e se apoia na questão da autonomia médica para autorizar profissionais a prescreverem as drogas. Embora o ministro tenha dito que a autonomia esteja condicionada a evidências científicas, ele questionou que tipo de evidências seriam aceitas.

    “O médico tem um razoável campo para exercer a sua autonomia. A autonomia está condicionada a práticas cientificamente aceitas. O que são práticas cientificamente aceitas? São aquelas que têm nivel A? A opinião dos médicos, estudos observacionais, eles não servem?”, questionou.

    Queiroga disse que a prioridade do governo federal no momento é conseguir comprar mais vacinas e ampliar a assistência, mas sinalizou ser difícil ampliar a estrutura hospitalar nesse momento de colapso. “O governo está fazendo um esforço para conseguir mais doses de vacina para que possamos impulsionar uma campanha de vacinação. Temos que ter o cuidado também de assistir os pacientes. […] Precisamos implantar mais leitos, mas, se fizermos isso, não teremos insumos como respiradores. Se conseguirmos respiradores, não temos recursos humanos. Se conseguirmos recursos humanos, precisamos treiná-los”, disse.

    Ao comentar a reunião realizada na quarta-feira entre representantes dos Três Poderes para uma a formação de uma comissão contra a covid, Queiroga disse ter se sentido “como um jogador que tivesse que bater um pênalti aos 45 minutos do segundo tempo, numa Copa do Mundo, com o Brasil precisando fazer o gol”.

    Durante visita, estudantes pedem ‘mais vacina e menos cloroquina’

    Durante todo o discurso do ministro, estudantes da faculdade mantiveram protesto nos corredores da faculdade que podia ser ouvido de dentro da sala onde a cerimônia era realizada. Os alunos carregavam faixas e cartazes que chamavam Bolsonaro de genocida, lembravam dos 300 mil mortos pela covid no País, pediam mais vacinas e a adoção imediata do lockdown.

    Durante a transmissão ao vivo do evento, a câmera de um dos participantes, identificado na tela como ‘Fora, Bolsonaro’, chegou a transmitir por alguns segundos os atos que ocorriam fora do salão nobre da faculdade.

    Sem mencionar diretamente o protesto, Queiroga disse que os óbitos pela covid não podiam ser atribuídos a ele nem individualmente a ninguém. “Isso é um passivo de 30 anos do sistema de saúde que se fez universal sem ter uma fonte de financiamento”, justificou. Ao deixar a faculdade, o ministro ainda teve que passar por um corredor formado por estudantes e ouvir gritos de: “Bolsonaro genocida” e “mais vacina e menos cloroquina”.

    Apesar do tom conciliador que Queiroga adotou em sua fala, professores da faculdade classificaram as respostas do novo ministro como evasivas. Ao final da transmissão, alguns docentes que permaneceram na “sala virtual” do evento comentaram que ele não explicou as medidas concretas que serão adotadas para enfrentar a situação e que não conseguiu transmitir esperança de que as coisas irão melhorar.

    Ao Estadão, o professor Mario Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva, diz ter ficado decepcionado com a falta de respostas. “Infelizmente, ele não tocou em questões a meu ver centrais: banir o tratamento precoce sem evidência, planejar urgentemente com governadores e prefeitos medidas para redução da transmissão, explicar como e quando chegaremos a um milhão de vacinados que ele ontem anunciou, e voltar a fazer coletivas diárias de prestação de contas, em respeito à sociedade”, disse o docente.

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