O Supremo se achincalhou
Renan Calheiros recusou-se a cumprir liminar do Supremo Tribunal Federal, da lavra do ministro Marco Aurélio, que o destituía da presidência do Senado. Mandou a secretária mentir, obrigada a informar ao oficial de Justiça que o senador não estava em casa, embora fosse visto no interior da residência oficial.
Inacreditável a violação de regras tão comezinhas. Na voz do ministro Luís Roberto Barroso, “descumprir decisão judicial é crime ou golpe de Estado”. Um golpe e um crime, uma ofensa aos princípios da independência e da harmonia entre os poderes do Estado, com inspiração na teoria clássica dos freios e contrapesos – “checks and balances”.
Submetida a liminar ao referendo do plenário do STF, a decisão foi revogada, sob entendimento de que Renan Calheiros pode continuar presidindo o Senado e o Congresso, embora esteja impedido de assumir a Presidência da República. Com um placar largo – 6 a 3, fez-se vista grossa para o deboche com que foi tratada a decisão do Tribunal. Tirou-se do bolso da toga uma solução jabuticaba, uma vergonha para o Supremo, pois resulta elementar que quem não pode presidir a República, ainda que em período transitório, também não pode presidir o Senado e o Congresso, especialmente quando castrado em uma de suas prerrogativas constitucionais.
Calheiros, no melhor estilo Nordeste profundo, ao valer-se de pronunciamento da Mesa do Senado, mandou o Supremo às favas. Agrediu um poder constituído, oferecendo um exemplo predador do que há de pior no seio da classe política, característica de ação de cangaço. Sustentou-se em ato inexistente juridicamente. Trata-se, como observou o ex-ministro Ayres Britto, de um “nada jurídico”, uma vez que falta competência ao órgão da Câmara Alta para desobedecer ordem judicial. Mesmo assim, O STF, imolando-se, premiou a desobediência –, como bem destacou o jornal O Globo em manchete de prime ira página. Estranha-se é que o julgamento do colegiado do Supremo tenha sido anunciado antecipadamente, na manhã do dia da reunião do colegiado, se ainda é possível qualquer surpresa no que acontece com as instituições em frangalhos da frágil democracia brasileira.
Numa sucessão de equívocos, o Supremo corre célere para cair no descrédito total da opinião pública, com essa meia-sola constitucional. Não se impôs e achincalhou-se. Ao comemorar o sucesso de sua empreitada desafiadora, Renan escarnece da Nação. Sorri e adverte que decisão do Supremo é para ser cumprida, exatamente o que deixou de fazer, como se falasse a um rebanho de idiotas.
Quem sabe se no fundo o notório senador não tem razão? Melhor seria que o Supremo tivesse derrubado a liminar de Marco Aurélio, em sua inteireza, nada além. Deixaria Calheiros reinando soberano sobre os escombros do Poder Legislativo, mantido como substituto do presidente da República, réu e investigado em mais de uma dezena de inquéritos criminais, como passageiro permanente de escândalos que têm abalado as estruturas da República.
Agora mesmo, temos a dança de horror com o primeiro depoimento de um executivo da Odebrecht, que inclui o presidente Temer e demais membros do núcleo duro do governo. Renan Calheiros figura com destaque e logo estará respondendo a mais um inquérito da Lava-Jato, com denúncias de corrupção e outros delitos. E o Supremo, o que fará? Pelo andar da carruagem e em nome da tal governabilidade, tudo é possível, com o Brasil destroçado pelo crime.
paulofigueiredo@uol.com.br