Como documentarista, Peter Bogdanovich retratou os mestres do cinema
Há cenas de filmes que deixam marcas profundas na alma do espectador – não apenas as clássicas, como o assassinato no chuveiro de Psicose ou a porta que se abre no início e se fecha no final de Rastros de Ódio. Mas imagens menores, que despertam uma certa melancolia e ficam guardadas na memória.
É o que acontece, por exemplo, no delicado Houve uma Vez, um Verão (1971), de Robert Mulligan, sobre a descoberta do amor por um adolescente, durante a 2ª Guerra. A trilha sonora de Michel Legrand emoldura momentos de rara beleza, que culminam com a voz do narrador dizendo que nunca houve um verão como aquele.
Do mesmo ano é A Última Sessão de Cinema, de Peter Bogdanovich, uma sincera declaração de amor ao cinema, ao mesmo tempo que exibe um retrato melancólico do “american way of life”, que então agonizava, inspirado no romance de Larry McMurtry.
Em um lugarejo do Texas nos anos 1950, o único cinema da região vai exibir sua última sessão antes de fechar. Ao mesmo tempo, um grupo de jovens da cidade, interpretados por Jeff Bridges, Timothy Bottoms, Cybill Shepherd e Randy Quaid, vive uma série de desilusões amorosas e ideológicas. A televisão já atrai mais o público e o derradeiro filme é um western clássico, Rio Vermelho, de Howard Hawks, com John Wayne. O filme dentro do filme é um épico, mas, no de Bogdanovich, é a própria América que parece estar morrendo. São pequenas vidas, à deriva, sem perspectivas, que se misturam ao vento que carrega o pó das ruas vazias.
Rodado em belíssimo preto e branco, o que carrega o tom de nostalgia, A Última Sessão de Cinema estabeleceu em definitivo a reputação de Bogdanovich como grande diretor, além de garantir o Oscar de coadjuvante para Cloris Leachman (recentemente falecida) e Ben Johnson. A cena final resume a melancolia ao mostrar a mulher passando a mão na cabeça do rapaz, o vento soprando, a cidade deserta, e ela repetindo “Tá tudo bem agora. Tá tudo bem agora”.
Apesar do sucesso de crítica, A Última Sessão de Cinema se tornou o único filme de nota na carreira de Bogdanovich (talvez valha lembrar também de Lua de Papel) que se tornou, no entanto, um importante documentarista da chamada Idade de Ouro do cinema americano. Nos anos 1960 e 1970, quando grandes cineastas viviam um ocaso, esquecidos por público e crítica, Bogdanovich foi atrás dos principais, entrevistando-os para documentários que hoje se tornaram clássicos e imprescindíveis.
Uma das cenas tornou-se clássica – Bogdanovich, então um iniciante promissor, entrevista John Ford, ícone do cinema americano, na década de 1960, perguntando-lhe sobre influências psicológicas na construção de personagens masculinos em seus faroestes. Impassível, Ford, que já era obrigado a usar um tapa-olho por causa da cegueira progressiva, apenas respondeu, secamente: “Corta!”.
Mais que o inusitado da resposta (Ford fazia questão de revelar seu mau humor com perguntas), a cena demonstrava Bogdanovich em ação, algo significativo – enquanto na época os críticos americanos endeusavam cineastas europeus, como Godard e Antonioni, ele, gravador em punho, buscava os velhos mestres, como Ford, Howard Hawks e Alfred Hitchcock, que praticamente desenvolveram quase tudo da linguagem cinematográfica.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.