• ‘Prestígio’ de Tarcísio de Freitas não leva verba à infraestrutura

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  • 28/02/2021 16:00
    Por André Shalders / Estadão

    O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, é figura frequente ao lado do presidente Jair Bolsonaro em eventos presenciais e lives nas redes sociais. Com a fama de “rei do asfalto”, costuma ciceronear o chefe em inaugurações de obras de rodovias. Em janeiro, no interior da Bahia, Bolsonaro disse que Tarcísio era “a figura mais importante” da administração. As contas da pasta, no entanto, mostram que a Infraestrutura não é a prioridade na hora de liberar verbas do Orçamento e o ministro se sobressai na equipe de governo pelas obras de pavimentação de estradas.

    O montante disponível para investimentos no Ministério da Infraestrutura segue estagnado desde o começo da gestão Bolsonaro. Tanto em comparação com o disponível para a área no governo anterior, de Michel Temer (MDB), quanto em proporção do total investido pelo Executivo. Enquanto bilhões de reais de fundos ligados ao ministério são retidos (contingenciados) para diminuir o déficit da União, áreas como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), autarquia ligada ao ministério, reclamam de falta de verbas para pagar fornecedores.

    Desde que Tarcísio de Freitas assumiu a Infraestrutura, a pasta nunca recuperou completamente o volume de recursos que teve durante as gestões de seus antecessores, Maurício Quintella Lessa (2016-2018) e Valter Casimiro Silveira (2018-2019), quando o órgão se chamava Ministério dos Transportes.

    Em 2020, a pasta empenhou R$ 8,1 bilhões em investimentos. A despeito da pandemia do novo coronavírus, é um valor maior que o empenhado em 2019 (R$ 7,8 bilhões). É menos, porém, do que os valores empenhados antes da chegada de Jair Bolsonaro ao poder: em 2018, foram R$ 10,6 bilhões em investimentos; e R$ 13,1 bilhões em 2017. Em 2016, ano marcado pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) e pela troca de comando no governo, o montante fechou em R$ 9,9 bilhões.

    Os valores foram levantados pela reportagem usando a ferramenta Siga Brasil, do Senado, e corrigidos pela inflação. Esses índices e valores foram apresentados ao ministério para comentários. A pasta não questionou os dados e destacou que tem buscado “otimizar” o uso dos recursos públicos.

    Assim como no Ministério da Infraestrutura, o total destinado aos investimentos no Executivo como um todo vem caindo desde 2016 em valores reais. Mesmo assim, sob Bolsonaro, a pasta foi responsável por uma fatia menor desse dinheiro. Em 2017 e 2018, o orçamento autorizado para investimentos no antigo Ministério dos Transportes correspondeu a 19% do total do Poder Executivo. Já na gestão atual, em 2019 e 2020, o porcentual ficou em 17,5% e 18,1%, respectivamente.

    O Ministério da Infraestrutura só assumiu este nome em 2019 – antes, era chamado de Ministério dos Transportes. A configuração atual da pasta surgiu em 2016, já sob Temer, quando ela absorveu as antigas secretarias de Portos e de Aviação Civil (a reportagem analisou números a partir daquele ano, quando estava consolidada a estrutura atual da pasta). No governo Dilma, as duas secretarias tinham status de ministério.

    Na hora de usar os recursos disponíveis, Tarcísio de Freitas se sai bem: em 2020, a pasta empenhou 96,5% da verba disponível para investimentos. No ano anterior, foi de 96%. A marca, entretanto, não difere tanto daquela dos antecessores, que poderiam reivindicar o título de “rei do asfalto”. Em 2018, foram empenhados 96% do total disponível. Em 2017 e 2016, o porcentual ficou em 91,9% e 83,5%, respectivamente.

    O índice que o ministério costuma apresentar é de 99,8% de execução em 2020. A diferença de números se deve ao fato de a pasta considerar todas as verbas discricionárias, enquanto a reportagem levou em conta apenas as verbas discricionárias de investimentos, que são identificadas com o código GND 4.

    Pavimentação

    Em tom de brincadeira e elogio, Bolsonaro disse, em lives, que, se deixar, Tarcísio asfalta até o gramado do Palácio da Alvorada. A capacidade de “tocador de obras” e a fama de “entregar muito” se limitam a obras de pavimentação. Além da estagnação nas verbas, a pasta da Infraestrutura viu fundos públicos ligados ao órgão sofrerem uma grande redução nos recursos aplicados em 2020 – caso do Fundo Nacional de Aviação Civil e do Fundo da Marinha Mercante. A redução ocorreu por causa da decisão da equipe comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de reter o dinheiro para a chamada “reserva de contingência”, isto é, para amenizar o rombo nas contas públicas.

    Em 2020, o Fundo Nacional da Aviação Civil teve uma queda de 93% no volume empenhado, em relação a 2019. O valor caiu de R$ 1,85 bilhão para R$ 126 milhões, 93% a menos. O mesmo aconteceu com o Fundo da Marinha Mercante, que financia projetos da indústria naval. No FMM, a redução foi de 71% em relação a 2019. No Fundo da Aviação Civil, ficaram “guardados” R$ 5,24 bilhões em 2020, ante R$ 1,9 bilhão em 2019. Ainda no FMM, R$ 1,3 bilhão foi para a reserva de contingência em 2020. O dinheiro ajudou a amenizar o déficit de R$ 702 bilhões do governo do ano passado (esses recursos dos fundos não estão nos porcentuais acima).

    O Fundo da Aviação Civil, especialmente, é alvo de reclamações constantes de Guedes, que o considera “engessado”. A reportagem do Estadão apurou que o próprio Tarcísio se queixa de não poder usar os recursos do fundo para outras áreas, como reparos em estradas. A limitação é determinada em lei.

    Recursos

    Ao mesmo tempo em que há dinheiro represado nos fundos, outras áreas do ministério reclamam de falta de recursos. No dia 3 de fevereiro, a diretora substituta de administração de finanças do Dnit, Fernanda Gimenez Machado Faé, enviou ofício ao ministério alertando sobre a “situação constrangedora de inadimplência” da autarquia.

    Naquele momento, a dívida acumulada pelo órgão com empresas somava R$ 499 milhões, segundo um ofício publicado pela agência Infra cuja autenticidade foi confirmada pelo Estadão. Embora esta parcela tenha sido paga, o risco de paralisação nas obras não foi afastado totalmente: no documento, a diretora do Dnit estima que precisará de R$ 1,5 bilhão até março “para que se evitem paralisações de obras e futuras ações judiciais”.

    Cenário é de restrição orçamentária, diz pasta

    O Ministério da Infraestrutura afirmou em nota que o País vive um “cenário de restrições orçamentárias” e, por isso, tem tentado otimizar o uso do dinheiro público. Segundo a pasta, isto é feito priorizando obras consideradas estratégicas, a conclusão de projetos inacabados e aquelas que precisam de manutenção para que o patrimônio público seja preservado.

    A pasta ressaltou que o ministro Tarcísio de Freitas tem se reunido com congressistas para direcionar emendas às obras tocadas pelo ministério – o que significou R$ 2,3 bilhões no ano passado, e o dinheiro, segundo a pasta, ajudou a viabilizar “a entrega de 92 obras, incluindo 1.430 km de rodovias recuperadas nas cinco regiões do País”.

    O ministério afirmou ainda que o objetivo do governo é “transferir o máximo de ativos para a iniciativa privada, para que os investimentos aconteçam de forma mais rápida”. “De 2019 até aqui, foram concedidos 40 ativos, que estão resultando em R$ 44,33 bilhões em investimentos privados para qualificar os aeroportos, ferrovias, portos e rodovias brasileiros.” Segundo a pasta, a meta é fechar mais de R$ 250 bilhões em contratos para investimentos privados até 2022.

    Sobre o Dnit, o ministério destacou a liberação de R$ 538 milhões para a autarquia em fevereiro, o que evitou a paralisação de obras e serviços. “Com a aprovação da LOA (Lei Orçamentária Anual, em discussão no Congresso), o Dnit poderá realizar novos empenhos. Cabe ressaltar que a Infraestrutura mantém diálogo permanente com o Ministério da Economia para a liberação de recursos para garantir a execução dos cronogramas planejados.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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