• Silêncio presidencial dá aval para ação de grupos bolsonaristas

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  • 22/02/2021 13:00
    Por Vinícius Valfré / Estadão

    Ao mesmo tempo que costura acordos de boa vizinhança com lideranças do Judiciário e do Congresso, o presidente Jair Bolsonaro silencia diante das ações dos extremistas de sua base política. Na última semana, manteve distância do caso de Daniel Silveira, deputado do PSL do Rio que fez ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal, sem impor um freio aos comportamentos antidemocráticos dos apoiadores fiéis.

    A estratégia para manter a ala ideológica coesa foi seguida à risca. O silêncio de Bolsonaro não foi acompanhado nas redes sociais e no Congresso pelo seu exército, sobre o qual ele exerce plena influência.

    Mesmo com a Câmara mantendo a prisão de Silveira, deputados que ascenderam graças ao bolsonarismo e integram o núcleo duro do presidente partiram para cima da Suprema Corte em reação à ordem do ministro Alexandre de Moraes de prender o parlamentar em flagrante.

    Carlos Jordy (PSL-RJ) chamou Moraes de “vagabundo” e cobrou postura da cúpula da Câmara contra os “ditadores” do STF. Otoni de Paula (PSC-RJ) convocou movimentos de direita contra a “ditadura da toga”. Alê Silva (PSL-MG) disse que a Suprema Corte se contradiz porque “quase morre do coração” quando alguém se refere ao Ato Institucional n.º 5 e “não se constrange” ao usar uma lei do mesmo período para aplicar a prisão. Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, defendeu o deputado preso em nome da “liberdade de expressão”.

    Jair Bolsonaro ignorou a crise com seu aliado ao longo da semana. Na transmissão ao vivo que faz às quintas-feiras no Palácio da Alvorada, falou por cerca de uma hora. Entre a ameaça ao presidente da Petrobras e uma amenidade e outra, desprezou o tema. Publicamente, não defendeu Silveira contra o STF, mas também não deu orientações à sua base mais radical para que não o fizesse.

    Na sessão em que a Câmara manteve a prisão de Silveira, deputados do Centrão, novos fiéis da balança governista, abandonaram o deputado e votaram por manter a prisão. A maior parte dos discursos em defesa do parlamentar coube à mesma base ideológica que continua esticando a corda com o Supremo.

    Tática

    Ao longo de 11 mandatos como deputado, o ex-parlamentar Miro Teixeira tornou-se um dos mais destacados do período democrático do País. Ele classifica Daniel Silveira como um soldado que segue à risca a tática de jogo político patrocinada pelo presidente. “Na teoria da guerra, há movimentos táticos e estratégicos. Os táticos são do momento, preparação para alcançar o objetivo estratégico. Acho que esse deputado praticou um movimento tático dentro da estratégia do Bolsonaro, de endurecer a postura dele com relação aos Poderes.”

    Bolsonaro evitou o choque com o outro lado da Praça dos Três Poderes. A base ideológica, por sua vez, também não cobrou reação por parte do presidente por entender que, neste momento de crises sobrepostas, a defesa de Bolsonaro a Daniel Silveira colocaria o tema impeachment de volta na agenda.

    A deputada Carla Zambelli (PSL-SP), também investigada no inquérito das fake news, disse que não pediu intervenção do chefe do Planalto para livrar o colega de partido. “Finalmente, o presidente fez o que vocês da imprensa querem sempre. Quando ele fala, ele é criticado. Quando ele mantém o silêncio vai ser criticado também?”

    Exemplo

    Entre governistas moderados, é a postura ambígua e o perfil conflituoso do presidente que encorajam figuras como Daniel Silveira. Há algum paralelo na trajetória de ambos. Aos 38 anos, Silveira está no primeiro mandato. É alheio às discussões dos grandes temas nacionais e tem atuação limitada à fabricação de polêmicas.

    Em 1993, Bolsonaro tinha a mesma idade. Exercia o primeiro mandato na Câmara, pelo antigo PDC, e também priorizava polêmicas. Em entrevista ao The New York Times, publicada em junho daquele ano, defendia a volta da ditadura militar e dizia que só a disciplina dos quartéis poderia tirar o País da lama. Isso apenas oito anos depois de o Brasil superar 21 anos de regime ditatorial. Em 1999, Bolsonaro foi à TV defender o fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso, vangloriar-se por sonegar impostos, desprezar o poder do voto, pregar o fechamento do Congresso e dizer que o País precisava de uma guerra civil.

    O teor das manifestações chegou a colocar a perda do mandato em debate na Câmara, à época presidida por Michel Temer. O desfecho foi diferente do que é reservado a Daniel Silveira. Bolsonaro se consolidou como alguém que defende a tortura e a ditadura sem qualquer censura. E de deputado do baixo clero sem qualquer expressão alçou voo à Presidência da República.

    Bolsonaro popularizou no debate público declarações com nível abaixo da média que predominava no Brasil mesmo nas grandes transições. Até em tempos de maior tensão, os termos usados nos desentendimentos públicos não costumavam descambar para ofensas gratuitas. Em fevereiro de 1988, o presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães, recorreu às histórias em quadrinhos para criticar os donos do poder. Em reação às pressões da caserna contra os trabalhos da Constituinte, Ulysses chamou os integrantes da Junta Militar de 1969 de “os três patetas”.

    A crítica de Ulysses era dirigida aos ex-ministros do Exército, Aurélio de Lyra Tavares, da Marinha, Augusto Rademaker, e da Aeronáutica, Márcio Souza e Mello. O deputado provocou uma crise entre Forças Armadas, governo e Parlamento, mas sem recorrer ao baixo nível. “Era uma reação de Ulysses, que defendia a democracia, contra os ditadores. Eram palavras duras, mas publicáveis”, lembra o constituinte Teixeira.

    Na época, havia especulações de militares e do próprio governo para “zerar” a Assembleia Constituinte. “Doutor” Ulysses pretendia promulgar a Constituição, no lugar da outorgada pela Junta Militar em 1969, ainda em 21 de abril de 1988. A promulgação ocorreu em 5 de outubro.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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