• O sonho não tem cor

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  • 20/11/2016 09:00

    Mulher, negra, 47 anos de idade, petropolitana, casada, mãe e dona de casa. Essa seria a descrição de Solimar Fidelis dos Santos, mas o que realmente descreve Sol, como gosta de ser chamada, está por trás de uma identificação meramente formal. Sonhadora, batalhadora, simples, humilde e dona de um enorme coração, isso sim define a mulher que teve uma vida sofrida, mas que de cabeça erguida continua correndo atrás dos seus ideais. À frente de um projeto social no bairro Duarte da Silveira, onde adotou mais de 2 mil pessoas da comunidade, ela abriu o seu  coração e se emocionou ao contar a própria história. 

    Como já diz o apelido, Sol tem uma luz radiante no sorriso. Seu semblante é sereno e a fala é calma. Em alguns momentos, a entrevista foi interrompida pelas lembranças que escorreram pelos olhos. Entre as lágrimas de tristeza e felicidade ela relembrou a infância e com carinho contou que foi educada pela avó paterna e uma tia que não mediram esforços para ajudar ela e os irmãos. Casada e mãe de três filhos, falou da família que construiu com orgulho. “Meus filhos são o que eu tenho de melhor e meu marido não anda de mãos dadas comigo. Ele me carrega no colo. É o para-raio de todas as minhas emoções”, descreve. 

    Mas sua família, atualmente, é muito maior. São cerca de 2 mil pessoas, que foram acolhidas por Sol. A carência de não ter sido criada pelos pais faz ela transbordar o seu amor não só para os filhos, mas para toda a comunidade São João Batista, no Duarte da Silveira. Idealizadora da Ong Ampla Visão, Sol começou a ajudar as famílias da localidade fazendo festas de Natal com refrigerante e cachorro-quente. No entanto,  para ela só aquilo não era o suficiente e a menina, que não teve muitas escolhas quando criança, resolveu fazer do projeto a sua vida.

    Ainda sem uma sede, é na casa da tia Sol que crianças e adolescentes do bairro são assistidas com oficinas de balé, futebol, ioga, brinquedoteca, biblioteca comunitária e o Ônix, que é voltado para a aceitação da criança como ela é. 

    Apesar das conquistas, o julgamento da sociedade sempre esteve presente. O racismo, em seu sinônimo mais cruel, nunca afetou a vida social de Sol. Ela costuma falar que transferiu toda a dor e todas as más experiências em garra para fazer o bem.

    “Quando as coisas começaram a tomar uma proporção maior, muitas portas se fecharam. Às vezes não é preciso palavras para saber que o outro é preconceituoso. Uma vez me questionaram dizendo: ‘Como que uma macaca pode achar que faz a diferença?’. Já me falaram também que o meu projeto era feito para o morro. Mas, eu nunca deixei que o olhar dessas pessoas me diminuíssem. Minha cor e condição social são muito menores do que os meus sonhos. Por isso, hoje chegamos muito além do que eu imaginava. Sou mulher negra à frente de um projeto que luta pelos direitos de uma comunidade mal vista, por ter sido o antigo local para descarte de lixo da cidade”, afirma ela, que não economiza esforços para garantir os direitos daquelas pessoas.

    Atualmente, Solimar comemora mais uma conquista. O imóvel em que a irmã morava no bairro passará a ser a nova sede do Ampla Visão. O dinheiro para o aluguel virá de atividades como venda de rifas, já que não recebem nenhum apoio público. “Minha casa é muito simples, as pessoas me perguntam quando vou arrumar e digo que o projeto vem primeiro. Eu não parei de sonhar. Quero que a sede do projeto seja um lugar legal, que ele ganhe extensão e tenha estrutura para abrigar novas atividades”, diz.

    A superação e a perseverança caminham juntas quando ela olha para o passado. “Procuro viver um dia de cada vez. Não é fácil, mas tenho a certeza de que fazemos a diferença. Quando eu me olho e olho tudo que conquistei, vejo que sobrevivi e minha história é exemplo de que o sonho não tem cor. “Sou muito grata a Deus por tudo o que tenho”. 

    Comparando a vida da batalhadora com o best-seller, Comer, Rezar Amar, que traz uma questão intrigante que é a palavra que descreve cada pessoa, é possível afirmar que entre todas as características que foram apontadas durante a entrevista, humanidade é o sentido exato para Sol.


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