• Após fugir da guerra, albanês naturalizado brasileiro busca vaga em Tóquio-2020

  • 11/02/2021 19:00
    Por Alessandro Lucchetti, especial para a AE / Estadão

    Foi com um estranho sentimento que o atleta do levantamento de peso Serafim Veli voltou, acompanhado pela mulher, Aline, à sua Albânia natal, poucos anos atrás. Ao mesmo tempo em que cultiva orgulho pela trajetória que seguiu fora de lá, passando pela Grécia até chegar ao Brasil, sentiu-se nostálgico e também envaidecido por mostrar à esposa os castelos, os bons restaurantes com comida mediterrânea e as belas praias banhadas pelo Adriático, que compõem a Riviera Albanesa. É uma bela reviravolta da nação mais fechada da Europa, já chamada de “Farol do Socialismo”.

    Embora ainda figure no rodapé da lista de renda per capita do continente, a Albânia faturava, antes da covid-19, cerca de US$ 4 bilhões anuais com turismo, o mesmo que o Brasil. Nada mal para um país que tem território um pouco menor do que o de Alagoas. “Amo o meu país, e é sempre muito bom vê-lo assim. Está quase entrando para a União Europeia”, disse o atleta.

    Essas belas e ensolaradas imagens encobrem outras inesquecíveis, mas por motivos bem diferentes. Há muitos anos e quilos atrás, ao voltar da escola, encontrou a mãe com outra cor. Minutos antes um projétil atingiu o prato que ela lavava, no quintal de sua casa.

    Corria o ano de 1997. A falência de um esquema de fraudes respaldado pelo Estado, anos depois da dissolução do regime stalinista, suscita uma onda de protestos insuflada pelo Partido Socialista (PSSh). Os confrontos resultam em guerra civil e na morte de 3,5 mil pessoas. Mais de 15 mil cruzam o Adriático e se refugiam na Itália. A família Veli seguiu outro destino, rumo à Grécia. “Meu pai tinha uma padaria numa estação ferroviária. Tínhamos um padrão bem elevado de vida, mas meus pais pensaram no futuro dos filhos e nos perigos, e por conta disso fomos viver em Atenas”, explicou Serafim, que deixou o país natal aos 11 anos de idade.

    No berço dos Jogos Olímpicos, o pai de Serafim foi ganhar a vida como caminhoneiro, transportando óleo, e a mãe tornou-se empregada doméstica. Para Serafim e suas três irmãs, também não foi fácil. “Sofremos com o racismo. As crianças gregas nos desprezavam, praticavam bullying, nos consideravam inferiores. Meu pai sempre nos orientou a não retaliar, a fazer sempre o nosso melhor em tudo para mostrarmos que éramos iguais aos gregos”.

    Um dia, caminhando pelas ruas de Atenas, chamou a atenção do pai, que o acompanhava, o barulho familiar das barras sendo jogadas ao chão. “Meu pai tinha sido atleta do levantamento de peso na Albânia. Entramos lá na academia, conversamos com o treinador e meu pai inscreveu minhas irmãs e eu lá”.

    Serafim e a irmã mais nova, Evangelia, foram os que mais se destacaram. O jovem pesista buscou inspiração em Pyrros Dimas, que treinava na mesma academia, Aons Milon. Nascido na Albânia, filho de pais etnicamente gregos, Dimas foi tricampeão olímpico (92-00) e ainda abiscoitou um bronze na edição de 2004, realizada em Atenas. Trata-se, simplesmente, do maior atleta da história olímpica da Grécia – ao menos do período moderno.

    “Percebi que o esporte me ajudaria a combater o preconceito, a fortalecer minha autoestima”, disse Serafim, que conquistou o bronze no Campeonato Europeu Sub-23 de 2009, representando a Albânia.

    Empolgado com o resultado, continuou treinando pesado (literalmente) para o Mundial daquele ano, realizado em Goyang, na Coreia do Sul. Uma lesão, no entanto, fez a carreira sair do prumo. Desanimado, foi trabalhar em restaurantes para complementar a renda, como barman. Durante o dia, ajudava treinadores em academias.

    Em 2014, por meio de um aplicativo para relacionamentos, acabou conhecendo Aline, uma agente de viagens brasileira. Deu muito mais que um match: sacudiu toda a vida do atleta. “Ela tinha planejado passar as férias na Grécia, e combinamos de nos encontrar em Naxos”.

    Um romance que começa em Naxos não é uma história qualquer. Na ilha nupcial do deus Dioniso, onde se localiza Zas, a maior montanha das ilhas Cíclades, teria nascido Zeus, segundo a mitologia. Foi lá que Serafim começou a acreditar que valeria a pena atravessar o Atlântico para poder viver com Aline.

    Em 2015, Serafim fixou sua base em Londrina, no Paraná. “Fui treinar numa academia de Crossfit e comecei a erguer só a barra, sem as anilhas, apenas para passar o tempo e me exercitar um pouco. Mas senti que o vírus do levantamento de peso tinha me pegado de novo. Entrei em contato com a Federação do Paraná e fui participar de competições”, contou o atleta, que foi tricampeão estadual (2016 até 2018) antes de se tornar recordista brasileiro em sua categoria. Depois que a naturalização saiu, em 2017, foi representar o Brasil pela primeira vez no Pan-Americano da modalidade, na República Dominicana, em 2018, e de lá voltou com o bronze.

    A motivação de Serafim cresceu muito quando viu Evangelia, sua irmã, competir na Olimpíada do Rio – ela foi a oitava colocada na categoria até 53kg, defendendo a Albânia. Naquele momento, ele colocou na cabeça que faria de tudo para participar da Olimpíada seguinte, em Tóquio.

    Hoje, Serafim mora e treina em Santo André, onde conta com o auxílio de um empresário, que está disposto a investir num projeto social para depois do encerramento da carreira do atleta. Mas antes ele quer ir a Tóquio.

    O brasileiro precisa assumir o primeiro lugar no ranking das Américas. Será fundamental o Pan-Americano de Santo Domingo, na República Dominicana, em abril. “Estou confiante. Em novembro, consegui erguer 156 quilos no arranco e 190 no arremesso. Ainda estou um pouco distante do meu melhor (171/205), mas ainda estamos na fase de construção de força. Participar da Olimpíada seria um sonho e quero muito realizá-lo”.

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