Mercado questiona preços da Petrobras
A mudança da política de preços da Petrobras, anunciada em fato relevante na sexta-feira, 5 – mas na verdade modificada no primeiro semestre de 2020 -, pegou o mercado de surpresa e levantou dúvidas sobre a transparência da decisão, que ao contrário de outras alterações feitas pela companhia desde 2019, não foi comunicada ao mercado.
A Petrobras só emitiu o fato relevante sobre o tema após a informação ter sido revelada pela agência Reuters, na tarde de sexta-feira. No documento, a estatal admitiu que alterou a política de preços de trimestral para anual “estritamente para fins de gestão e diagnóstico interno” em março de 2020, mas que isso nada interfere nas decisões sobre ajuste de preços, que continuam a seguir a paridade internacional. A empresa alega que “não divulga os detalhes de sua política de preços em razão de sensibilidade comercial”.
“Em 2019, estabeleceu-se indicador gerencial com apuração trimestral. Em 2020, dada a volatilidade dos preços internacionais e da taxa de câmbio, esse indicador passou a ser anual, sem impacto nas decisões de preços”, explicou a Petrobras em nota. “Prova disso é que a mudança foi implantada em junho de 2020, sem que tivesse sido observado maior espaçamento nos reajustes de preço. Após a revisão de junho, por exemplo, foram aplicados 22 reajustes de gasolina (9 reduções e 13 aumentos) e 18 reajustes no diesel (4 reduções e 14 aumentos)”, reforçou a estatal.
Apesar disso, pelo menos em duas ocasiões a companhia avisou de outras mudanças na política de preços. Em março de 2019, informou que o diesel não teria ajuste no prazo inferior de 15 dias; e em junho do mesmo ano avisou que não teria mais periodicidade para ajustes nos preços do óleo diesel e gasolina.
A notícia teve ainda mais peso por ocorrer horas depois do presidente Jair Bolsonaro ter reafirmado a independência da empresa em sua política de preços, e em meio à insatisfação dos caminhoneiros em relação à alta do diesel.
Para o presidente da Associação dos Acionistas Minoritários (Aidmin), Aurélio Valporto, a empresa escondeu a informação e deveria ter publicado fato relevante na época da mudança. Valporto avalia que a decisão foi tomada no início da pandemia para evitar repassar a forte queda do preço do petróleo no mercado internacional, que chegou a ser cotado a US$ 20 o barril em abril do ano passado.
Barato
“Na época, o combustível deveria ser mais barato do que foi no Brasil. Eles devem ter pensado que se continuassem a seguir essa política (trimestral) poderiam ter prejuízo. Reduziram o preço dos combustíveis, mas não na mesma proporção que o mercado externo”, disse Valporto.
Para o analista de petróleo e gás da consultoria StoneX, Thadeu Silva, o aumento de prazo para avaliação de ajustes pode ser uma política danosa para a empresa, principalmente diante dos preços defasados que mantém no mercado interno: “Ela não comunicou ao mercado. Do ponto de vista econômico o prazo de até 12 meses para seguir o preço internacional, é um prazo muito longo, não existe isso no mercado.”
Segundo Silva, com os preços defasados atuais, a estatal é obrigada a abastecer todo o mercado com prejuízo. “Ela (Petrobras) falar que está seguindo o mercado internacional em até 12 meses é a mesma política da Dilma (Rousseff, ex-presidente da República). Vai reajustar o preço de vez em nunca, e é um mercado grande, que está crescendo, e vai ter de importar mais”, explicou.
Depois de forte queda na pandemia, o mercado de petróleo tem registrado sucessivas altas, e na sexta-feira fechou a US$ 55/barril o tipo Brent, influenciado pela expectativa de uma nova rodada de estímulos fiscais nos Estados Unidos.
O presidente da Associação dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo, há meses reclama da falta de paridade dos preços da estatal com o mercado externo. Segundo ele, os últimos valores apurados mostram que para se equiparar ao mercado internacional a gasolina deveria estar R$ 0,19/litro mais caro e o diesel, R$ 0,36/litro: “Com a confissão feita pela Petrobras, considerando os fatos relevantes, o Conselho de Administração não pode deixar de se posicionar. Afinal, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) deve estar atenta às condutas e aos impactos gerados para os acionistas e ao mercado em geral”.
Já para o analista da Mirae Asset Pedro Galdi, o mercado vai absorver bem a mudança de estratégia da companhia, mesmo que tenha sido pego de surpresa, respaldados pelo aumento de produção no pré-sal e da alta do preço do petróleo, que segundo ele pode chegar a US$ 60 o barril: “O pessoal pode ficar desconfiado, já que a mudança veio em cima da hora de ameaça de greve de caminhoneiros. Vejo o anúncio mais como uma forma de acalmar o mercado, mas sem impor perdas para a Petrobras.”
Na sexta-feira, a notícia da mudança de política derrubou, no espaço de uma hora, as ações ordinárias da estatal em 4,5% e as preferenciais, em 3,7%. No final do pregão, no entanto, após o fato relevante, elas subiram e fecharam em alta de 1,40% e 0,69%, respectivamente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.