• Servidor público revela ter sofrido torturas psicológicas na Câmara de Vereadores em 1979

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  • 12/12/2016 17:30

    “Eu tinha 18 anos, estava no trabalho – já era servidor público – quando recebi uma ligação do presidente da Câmara de Vereadores de Petrópolis, na época o Calau Lopes, pedindo para que eu fosse até lá. Quando cheguei, encontrei dois agentes do Serviço Nacional de Informações (SNI). Eram novos, na faixa de 30 a 40 anos e começaram a me fazer uma série de perguntas. Queriam (a todo custo) saber quem era a célula comunista da cidade, como se eu fizesse parte também. Naquele dia (não lembro a data, mas foi em 1979) fui vítima de diversos tipos de torturas psicológicas dentro da sala da presidência da Câmara por mais de 10 horas. Achei que ia morrer”, contou o servidor Enivaldo Gonçalves, de 56 anos. O relato foi feito, no último sábado, durante a audiência pública que apresentou os resultados parciais das pesquisas feitas pela Comissão Municipal da Verdade (CMV-Petrópolis). O evento aconteceu na Casa dos Conselhos e reuniu mais de 50 pessoas. 

    Segundo Enivaldo, tudo começou durante o governo do Jamil Sabrá, quando os salários começaram a atrasar. Foram cerca de 6 meses de incertezas e, por este motivo, foi convocada uma greve na frente da Câmara. De acordo com o servidor, a paralisação contribuiu para a cassação do prefeito. Meses depois, recebeu a visita do SNI, do qual se recorda muito bem. O presidente do órgão era o Calau Lopes, que na ocasião, o defendeu, dizendo que o servidor nada sabia nada sobre os ideais comunistas. “Eu era um alienado do ponto de vista político”, disse. Enivaldo comentou que ficou de meio-dia até 22h sendo interrogado pelos agentes. “O Calau pedia pelo amor de Deus para que me soltassem”, contou. 

    Como prática de tortura psicológica ele disse que os homens pegavam garrafas PETs que eram colocadas no fogo e, em seguida, no rosto do servidor. “E ameaçavam me atingir em outras partes do corpo caso eu não falasse. Senti muito medo naquele dia”, disse. Quando viram que, de fato, Enivaldo desconhecia o assunto, os agentes o colocaram dentro do carro e deram uma volta. “Nessa hora achei que iam me matar, mas me soltaram no Retiro. De lá liguei para um amigo, que me levou para casa dele e fiquei três dias sem sair de casa, com receio deles voltarem para me pegar”, lembrou. 

    Depois que passou o susto, ele contou que descobriu o que era comunismo e que, no fim das contas, simpatizava com os ideais políticos. Em 1988, com a nova constituição, que permitia a criação dos sindicatos, Enivaldo contribuiu para a criação do Sisep. “Foi o 5º sindicato a ser reconhecido no país”, rememorou. Durante a audiência o depoimento do servidor causou surpresa e emoção, levando o público a aplaudir de pé a sua coragem.

    CMV-Petrópolis entrega prontuários de petropolitanos presos durante o regime militar

    O agricultor e comerciante Fabrício Alves de Quadros morou durante décadas em Petrópolis e na cidade foi vítima de perseguições políticas por causa de sua filiação ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). O filho dele Saul Alves de Quadros teve sua candidatura a vereador cassada, também por conta dos ideais políticos. Além disso, toda a família: mulher e os 11 filhos sofreram com a situação. O pai e o irmão Saul chegaram a ir para o Uruguai fugindo dos militares. Também se esconderam inúmeras vezes no sítio que tinham em São José do Vale do Rio Preto. Há anos a família tenta dar entrada no processo de reparação, mas não possuía provas das prisões. No sábado, a CMV-Petrópolis entregou a Marcos Alves de Quadros, um dos filhos de Fabrício, o prontuário político do pai, que comprova, por meio dos arquivos da 67ª Delegacia de Polícia de Petrópolis, que ele foi preso e levado para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de Niterói. 

    Além de Marcos, a comissão entregou também a documentação de Alencar Thomaz Gonçalves, que na época do regime foi presidente do sindicato dos têxteis. Perseguido, também foi levado para o DOPS em Niterói. O prontuário dele foi entregue a Vanilton dos Reis, atual presidente da categoria em Petrópolis. O presidente do Sindicato do Vestuário, Jorge Mussel, recebeu a documentação do advogado trabalhista Wagner Ennes Rodrigues, que foi preso no 1º Batalhão de Caçadores. 

    A audiência contou também com a participação do presidente da Comissão da Verdade de Nova Friburgo e secretário de formação política do PCB, Ricardo Costa, que recebeu os documentos de perseguições ao partido, encontrados pela comissão. Os arquivos mostram que os filiados ao PCB tinham que ir até a delegacia, todos os dias, assinar um documento para comprovar que estavam em Petrópolis. 

    Durante o evento também foram lembrados militantes políticos que morreram durante o regime, como Jana Moroni, que morava em Petrópolis, e foi para o Araguaia em 1971, para participar da luta armada, onde desapareceu. Até hoje a família busca informações sobre a morte dela. Para o membro da Comissão da Verdade de Petrópolis Diego Grossi, é importante que os relatos daquele tempo sejam esclarecidos mesmo nos dias atuais. “A democracia que a Jana e o Fabrício lutavam não é o que a gente vive hoje”, destacou. Para o presidente da CMV-Petrópolis, Eduardo Stotz, a história que está sendo construída e narrada é essencial. “A conjuntura que vivemos atualmente é o que nos inquieta e mobiliza”, concluiu. 


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