• O trabalho de Sísifo

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  • 29/01/2018 10:45

    Depois de ver as articulações de parlamentares para aprovar as reformas trabalhistas e assistir a essas negociações para impor as reformas da previdência no Congresso, lembrei da punição que Zeus deu a Sísifo, rei de Éfira, depois chamada Corinto, filho de Éolo e Enarete. Considerado o mais astuto dos mortais, foi condenado a rolar eternamente uma enorme pedra com as próprias mãos até o topo de uma montanha. Mas toda vez que chegava ao cume, a pedra rolava novamente até a base. E ele repetia, sem descanso, o mesmo trabalho árduo, infrutífero. 

    Após a reforma trabalhista e diante das propostas da reforma da previdência, vejo o povo como Sísifo, fadado a um esforço inútil, sem a esperança de merecida aposentadoria pelos serviços prestados à Pátria.

    O gosto que tenho pela mitologia grega foi despertado pelo saudoso professor Junito Brandão, que falava do amor e da ira dos deuses com uma familiaridade incrível. Tinha uma memória brilhante, sempre relatava os casos passionais do Olimpo. Quanto mais se mergulha no universo mitológico mais se identifica o presente vivido.

    Tânato, a morte, por decisão de Zeus, foi enviada para conduzir Sísifo ao mundo subterrâneo. Mas, quando ela se apresentou a ele, que espertamente passou a elogiá-la, inflando a vaidade dela, exaltando-a como bela, ofereceu-lhe um colar. Enaltecida, deixou que ele se aproximasse para colocá-lo no seu pescoço. Ele aproveitou a oportunidade e colocou uma coleira, prendendo-a. Isso despertou a ira do deus dos mortos, Hades, e de Ares, deus da guerra selvagem, uma vez que nas batalhas já não havia mortes. Isso chegou aos ouvidos de Zeus.

    Sísifo, que casou com Mérope filha de Atlas, também sabia usar o “toma lá dá cá”: um dia, andando pela cidade, viu nas garras de uma águia enorme uma bela jovem, Égina, filha de Asopo, um deus-rio. O pai, procurando a filha, encontrou Sísifo. Perguntou a ele se havia visto Égina. Ele disse que sim, mas só revelaria se ele fizesse brotar uma fonte de água em Corinto. O pai atendeu ao pedido. Deram à fonte o nome de Pirene. Esse fato também irritou Zeus, porque ele estava envolvido no caso do rapto da jovem.

    Outro episódio curioso envolvendo Sísifo consiste na descoberta de um furto de gado. Autólico, filho de Hermes, vizinho de Sísifo, tinha o péssimo hábito de mudar a cor dos animais. E dessa forma, ele os levava para o seu rebanho. Ao perceber que o filho do vizinho aumentava o rebanho, Sísifo constatava que o seu diminuía. E assim teve a ideia de marcar as suas reses nos cascos. Toda vez que elas saiam do curral, o chão ficava marcado com a seguinte frase: “Autólico me roubou”.

     Após um tempo, os dois fizeram as pazes. Mas Sísifo deu uma escorregada: seduziu Anticleia, filha do amigo, que veio a casar com Laerte, rei de Ítaca, por isso, dizem que Sísifo é pai de Odisseu, filho dela. Mas isso já é fofoca no Olimpo.

    Voltando à realidade, você lembra o que aconteceu com a Grécia após as Olimpíadas de Atenas em 2004? Houve uma grave crise econômica. Lá a população também sofreu bastante. 

     Na semana passada, foi divulgado o déficit recorde da Previdência Social em 2017: R$ 268,8 bilhões. Isso foi citado em defesa das reformas que querem implantar. Mas não foi mencionado o que a previdência tem a arrecadar. Na listagem dos que a devem, estão grandes empresas que financiam campanhas políticas e que são beneficiadas por concessões fiscais. As microempresas rolam a pedra dos impostos e o povo sofre como Sísifo.


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