• O mundo é chapecoense

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 04/12/2016 09:00

    Há morte sem tragédia. Mas não há tragédia sem morte. Não é o morrer que é trágico, pois todos teremos um fim. O como a morte devora a vida é que a torna trágica. Por isso, tem-se a expressão “boa morte”. Por ser ainda inevitável, que venha como um sopro. O apagar-se em sono profundo, um descanso eterno depois de um dia de plena felicidade, apesar da efemeridade da vida tão evidente.

    A comoção mundial diante da queda da aeronave que transportava a delegação do time da Cidade de Chapecó e mais 21 jornalistas para Medellín, na Colômbia, onde disputaria a primeira partida da final da Copa Sul-Americana, revela que a humanidade ainda traz consigo o sentimento de impotência diante da morte.

    Somos capazes de nos transportar para a dor do outro, de alguém que nem conhecemos, choramos pelo impacto da notícia de uma tragédia envolvendo pessoas com as quais não tivéssemos contato algum. E, por esse sentimento, vem a solidariedade, o desejo de ajudar e confortar parentes e amigos das vítimas. Ainda há um pouco de humano no homem, embora a realidade aponte para uma materialização do ser, tratando-o apenas como um consumidor.

    Na segunda-feira, após o terceiro turno de trabalho, cheguei a casa antes das 23:00 horas. Segui a rotina de trocar as sandálias pelo chinelo, ir ao banho, colocar uma roupa mais leve para dormir, embora tendo ainda algumas horas de trabalho com provas e redações.  Como de hábito, fiz um lanche e liguei a televisão, que estava no canal mais assistido no país. Passava mais um filme catástrofe, como se não bastasse os que sempre passam no final de domingo. Liguei a tv exatamente no momento que havia uma cena de pânico dentro de um avião. Mudei de canal com o seguinte pensamento: – Depois de um dia tão árduo, não dá pra ver isso…

    Em outro canal havia um noticiário, que falava das manobras políticas de Brasília.  Também não deu para continuar assistindo, peguei os pacotes com as provas e esperei o sono chegar. Não demorou muito, o cansaço era latente…

    Acordei por volta das 05:30, liguei o celular, encontrei no aplicativo uma monte de mensagem tristes sobre o trágico acidente, ocorrido com o avião Avro RJ-85 da empresa Lamia, que transportava o time de futebol da Associação Chapecoense de Futebol. Dessa vez, não deu para usar o controle remoto. Não se tratava de uma ficção, mas de uma realidade.

     A irreversibilidade do real impotencializa o homem. O irreversível alimenta o trágico. Embora o mundo esteja chocado, apesar do profundo sentimento de pesar, nada mudará o ocorrido. Nesses casos, tem-se a noção de que o homem não é senhor do destino. Os que têm fé esperam um milagre, ou buscam o conforto na esperança de uma vida eterna.

    Na quarta-feira, dia em que o time de Chapecó jogaria na Colômbia, a rotina se repediu: cheguei a casa um pouco antes das 23:00 horas, liguei a tv, enquanto fazia um lanche. Passava um filme com o título “Noé”. Deixei a televisão ligada, enquanto pensava nos sobreviventes do citado acidente: como narrarão o pânico que viveram? Como irão viver com as imagens na lembrança? Como continuarão a vida depois do que sofreram? … Virão as explicações técnicas, mas não ressuscitarão os mortos. 

    Na quarta-feira, não reclamei da rotina, nem do cansaço, só agradeci a Deus o dom da vida. Pedi a Ele que confortasse as famílias enlutadas e mantivesse os jogadores, a comissão técnica, os jornalistas e a tripulação do avião na Paz do Senhor.

    P.s: “Jesus!” – Essa foi a última invocação que está na gravação do piloto.

    Últimas