• O canto de Leonard Cohen

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  • 22/11/2016 12:00

    Mais uma vez estamos aqui sobre a linha tênue que há entre a Poesia e a Música. Linha esta que não isola, apenas limita, não impede o fluxo lírico que une essas duas manifestações artísticas que acalentam o espírito humano.

     A morte de Leonard Cohen, na noite do dia 10 de novembro, colocou mais uma vez em evidência essa questão do poeta músico e do músico poeta. Foi ele quem disse: “As minhas músicas são poemas com uma guitarra por trás”.

     Outrora eram as liras que embalavam o canto do amor, que tocavam “esse comboio de corda que se chama coração”, como Fernando Pessoa definira esse músculo que metaforiza sentimentos. 

    O músico também é um fingidor. “Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.” Isso está explícito no blues. O que se canta não é a dor fingida é a dor sentida. Um lamento que o tempo e o vento levam para a eternidade. Inegavelmente, o blues é afrodescendente. Contudo não se trata de um gênero musical em função da cor da epiderme, mas de um estado da alma. Brancos também cantam blues e sentem na pele a emoção que traz a dor carregada de esperança. O canadense Leonard Norman Cohen, nascido em Montreal, de família judia de origem polonesa, autor de um clássico da música universal “Hallelujah”, fez composições musicais que não diferem das canções oriundas do Mississipi. Não somente pela concepção mística que marcou os hinos religiosos das igrejas protestantes, mas também pela carga emotiva concentrada no timbre da voz. 

    Não há dúvida que a produção literária de Leonard Cohen é melhor do que a de Bob Dylan. Mas este tem uma popularidade maior e uma grande influência sobre várias gerações. Fato que lhe valeu o prêmio Nobel de Literatura. Se fosse somente pelo critério literário, o autor canadense é que deveria receber o prêmio.  Não concordo quando o chamam de “Kafka do Blues”. Não vejo nada de kafkiano nas letras das músicas dele. O culto ao amor, a sensualidade, a presença de uma concepção mística nas suas composições o distanciam dos enredos kafkianos.  Nem sempre o hermético é confuso, nem está atrelado ao suspense. 

    A genialidade de Frank Kafka está também em mostrar a vida por um viés que nos remete para o realismo fantástico. “O Processo”, “A Metamorfose” estão nos entraves burocráticos dos órgãos públicos e no estranho que há no seio da família, quando as pessoas que a formam não se preocupam em conhecer quem está ao lado. Às vezes, até nós nos sentimos estranhos, não nos reconhecemos em determinados momentos.

    Acredito que o tempo vivido por Leonard Cohen no mosteiro de Mount Baldy Zen Center, onde ficou em profundo silêncio, por isso ganhou o nome Dharma de Jikan (“silencioso”), possibilitou-o a encarar a morte de forma tranquila. O último álbum que lançou, “You want it darker”, revela uma resignação perene nos seus últimos dias. Escreveu na canção que intitula o álbum: “Eis-me aqui (hineni, em hebraico) / estou pronto, Senhor (I’m ready, my Lord – em inglês).

    “O amor não tem cura, mas é o único remédio para todas as doenças”. Essa frase de Leonard Cohen sintetiza uma conduta diante da vida. Amar é uma atitude que requer uma mudança de comportamento como afirmara Camões: “é querer estar preso por vontade;/ é servir a quem vence, o vencedor;/ é ter com quem nos mata, lealdade”.

    Quem ama se coloca a serviço do ser amado. E assim, em várias canções, Leonard Cohen se colocou diante do amor para vivê-lo intensamente. Ouça: “I’m your man”, “Suzanne”. Ore com “Hallelujah”.

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