• Não entendo nada

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  • 17/02/2018 14:30

     Confesso que tentei. Já li, me explicaram. Pensei. Mas não entendo de fato nem a teoria da relatividade, nem mecânica quântica. Sou um pobre e desprezado newtoniano, fincado com os pés na teoria da gravidade, que eu alcanço. Um pouco. Uma ignorância, eu sei. Mas vou vivendo.

     Confesso que não sei mais se sei ainda, ou se um dia realmente soube, resolver equação de segundo grau. Uma incógnita dá aflições. Duas? Pobres educadores a quem pouco frequentei! Quando aparecia, com ar de piedade me viam com ar de paisagem tentando decifrar hieroglifos numéricos na lousa. Não sei. Admito, esta ignorância. Mas vou vivendo.

     Confesso que não entendo partitura musical. Certo que nem estudei teoria e solfejo, mas tentei, nos corais aos quais emprestei o desfavor da voz miúda – a custo afinada a marteladas de maestrina paciente, voz de “tenaixo” (área de extensão muito restrita que nem vai aos agudos típicos nem alcança os graves necessários) como ela nomeava – sempre tentei, eu dizia, seguir as “bolinhas” da pauta, para ver quando subir ou descer o canto. Uma pobreza, eu sei. Confesso. Não sei ler música. É uma ignorância. Mas vou vivendo.

    Confesso que não sei gramática e custei a entender o que era um advérbio e me aflige o costumeiro pedido do concurseiro que pretende ajuda nos estudos de português. O coitado acha que, por escrever aceitavelmente, serei mestre na última flor do Lácio, inculta e bela. Ilusão. Quem muito lê acaba escrevendo certo, é só. E fica o sujeito achando que estarei eu de má vontade. Fazer o quê. É uma ignorância minha, eu sei. Mas vou vivendo. Confesso que não sei cabecear no futebol. Se é que meus passes tortos, chutes chapados e trivelas desafinadas são jogar futebol. Pratiquei essas desabilidades até alcançar não ser o último escolhido no par ou ímpar da pelada. Mas, cabecear: não sei. Fecho os olhos, o que atrapalha a direção, uso a testa, quando devia usar a quina da cabeça. É uma ignorância minha, eu sei. Mas vou vivendo. 

    Confesso que não entendo quem ainda se apega ao Lula. Vejo um delírio de protesto, um raivoso estado de negação, anistiando pecados, indultando crimes, pondo vista grossa em desmandos, mensalão e petrolão, e esquecendo as décadas de esforços por uma esquerda democrática jogadas fora pelo PT. Como se caíssem no conto do vigário de um Lula Mandela, que quando muito, é um Lula Perón. Juro que não entendo. É uma ignorância minha, eu sei. Mas vou vivendo.

     Confesso que entendo menos ainda os hipnotizados por Bolsonaro. Um oportunista de baixa patente que surfa na insatisfação popular um triste saudosismo da ditadura, homem de opiniões execráveis embrulhadas em discurso troncho, machista, retrógrado. Um medíocre que saúda torturadores como heróis da Pátria. Um arauto das sombras. Não entendo mesmo. É uma ignorância minha, eu sei. Mas vou vivendo.

     Com tão extenso rol de confissões só posso prometer empenho na tentativa de desvendar e melhor entender mistérios quânticos, e matemática, gramática, pautas musicais, a arte da cabeçada, a paixão suicida pelo Lula, a rendição ao Bolsonaro. Já antevejo derrotas. Mas persistirei, socraticamente confessando: sei que nada sei. Aliás, o rock do Titãs também alertava: ninguém sabe nada. E como na canção do Erasmo Carlos, em maturidade afirmarei: sou uma criança, não entendo nada. Mas viverei! Afinal, Clarice Lispector ensinou que “é preciso aprender a viver com o que não se entende”.

    denilsoncdearaujo.blogspot.com

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