• Momento de carnaval

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  • 03/02/2018 08:00

    Não um encontro marcado. Nem casual. Simplesmente, acontece em um salão de carnaval.

    Discreto, Arlequim observa a folia, junto a um canto esquinado daquele espaço colorido e mágico. Encolhido e na penumbra, dilata as pupilas da inquieta visão em rodopios nervosos. Não encara os demais foliões que desejam levá-lo ao cordão que circunavega célere, qual uma serpente oriental desfilando em comemorações chinesas. Elevam-se do solo confetes e serpentinas no pisotear do delírio.

    Busca Arlequim a mesma Colombina de tantos idos e presentes, a sempre indefinida amante dele, Arlequim, e de Pierrô, ambos apaixonados ludicamente pela linda miragem em forma de sonho, devaneando seus ímpetos fustigadores desenhados nos mais recônditos desejos lascivos.

    Divisa Pierrô, no salão, rodopiando com bailarinas de Degas e dançarinas de Toulouse-Lautrec e até destorcidas ninfas de Picasso e Dali.

    Ah! mais ensombra-se seu espírito nas penumbras das negritudes das luzes coloridas que explodem, iluminando no lusco-fusco da sua delirante passagem, rápida e fulminante, desenhos alucinógenos que eriçam o fulgor da alegria.

    Pierrô dança e pula tal um bailarino iluminado pela luz refletida no espelho do lago dos cisnes, contentando-se com nereidas que nadam nas águas cenarizadas pelos apliques e luzes do ambiente de esplendorosos matizes.

    Altas horas. Colombina não surge no salão. Estaria a doce ninfa dos sonhos românticos desfilando em paisagens de Monet? Ou posava para Rafael, ou Leonardo, longe do bulício das encantadoras-ruidosas festividades momescas?

    Arlequim e Pierrô olham e miram as frestas das largas portas do salão, olhares ansiosos de espera pelo anjo do amor e da beleza. Que não surge. Que não ilumina. Que ignora os seus milenares apaixonados.

    A noite estraçalha os ímpetos acima da resistência humana, permitindo que claridades do despertar da madrugada enfiem-se pelas frestas das janelas, luz natural que engole a superficialidade das luminárias que não suportam a magna luz solar. O clima da aurora contagia, não mais a euforia, mas o cansaço que a tudo domina. Saem quase todos. Extenuados. Em duas esquinas da pista de dança, onde nenhum raio do sol ousa o intrometimento do competir com a penumbra, jazem Arlequim e Pierrô.

    Arlequim em sua colorida fantasia, totalmente umedecida de lágrimas e Pierrô, também umedecido, porém pelo suor das peripécias do baile, não se contemplam, evitam qualquer contato físico, ignoram-se desconhecidamente.

    Virados para a parede, não sentem Colombina que chega ; não divisam sua figura coberta por apetrechos de limpeza, romper a floresta de embalagens, plásticos, confetes, serpentinas e começar a faxina geral de toda a inefável acumulação de detritos, ensacando tudo para o daqui-a-pouco recolhimento do bloco dos recicladores.

    Não vê seus amados Arlequim e Pierrô, ocultos no volume da sujeira geral, assenta-lhes vassouradas, ensaca-os, lança-os no caminhão.

    Feliz fica a selecionadora do material quando encontra duas belas fantasias, que guarda para o próximo ano emprestar ou alugar ou dar para seus sobrinhos desfilarem no carnaval.

    Arlequim, Pierrô e Colombina etereamente retornam aos sítios dos sonhos à espera infinita de novo reencontro no sempre velho carnaval que passou e que está por vir.

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