• Doces Guerra: a fórmula da felicidade

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  • 26/07/2018 18:37

    As medidas das receitas se assemelhavam às notas de uma partitura. Seguidas com precisão, integravam composições que conduziam as emoções da plateia. A obra regia experiências individuais que, enlaçadas por uma vivência única, levavam os clientes a pedir bis. Depois da primeira mordida, difícil era parar no primeiro doce Guerra.

    Os produtos são lembrados como a ‘trilha sonora’ da infância dos consumidores. A aposentada Maria Tereza da Costa, de 69 anos, conta que cresceu ao lado da fábrica, na Rua Doutor Sá Earp, onde reside até hoje. Um dos tesouros que guarda daquela época é o perfume da produção que invadia sua casa.

    “Quando faziam do lado de lá a goiabada, que tem um cheiro gostoso e forte, o cheiro vinha na minha casa. Mamãe logo falava: ‘Hm, eles estão fazendo goiabada fresca. Vai lá buscar’. Aí a gente levava uma vasilha de casa e eles vendiam por peso aquela goiabada líquida. Ela vinha quente e passávamos na torrada e no pão”.

    Maria Tereza, caçula de nove irmãos, lembra também dos carros verde musgo que faziam a entrega das mercadorias e da empatia dos funcionários que tornaram possível que ela provasse ‘de tudo um pouco’. “Quando tínhamos dinheiro, comprávamos, mas, quando não, ficávamos por ali e eles acabavam nos dando de graça. Sempre foi assim. Era uma benção”, relembra enquanto a nostalgia toma conta de sua voz.

    O aroma dos doces era, de fato, reconfortante. A empresária Vera Lúcia Guerra Azevedo, neta do fundador da fábrica, conta que bastava passar as férias no Rio e ter de conviver com a falta do ‘cheirinho com que foi criada’, que a saudade a atingia num piscar de olhos. 

    “Quem fundou a fábrica foi meu avô, Anysio da Silva Guerra, em 1915. No tempo em que eu ficava fora de Petrópolis, eu comia mais doces Guerra do que quando eu estava em casa, onde o aroma parecia me satisfazer”.

    Vera explica que a produção era dividida em duas áreas: a confeitaria, que incluía os bolos, rocamboles, brevidade, bombocado; e o carro-forte, que eram os doces feitos a partir de frutas: bananada, pessegada, marmelada, goiabada. 

    “As frutas chegavam de sítios e fazendas. Eu arrebentava a madeira da caixa e pegava goiabas pra comer. Era uma delícia. Em suas respectivas épocas do ano, eles transformavam as frutas em polpa e colocavam em latões de 20 quilos, armazenados para o ano todo”.

    E quando o assunto envolve os Doces Guerra, é impossível deixar de fora o doce miss, que marcou gerações de famílias petropolitanas. Feito com ovos e coco, era vendido tanto a quilo para que as pessoas o manuseassem, quanto já pronto. De um jeito ou de outro, a felicidade era garantida.

    Um quintal de aventuras 

    Outra pessoa que acompanhou bem de perto o funcionamento da fábrica é a filha de Vera Lúcia, a advogada Gabrielle Guerra Azevedo. Aos 43 anos, ela se orgulha em dizer que foi a única bisneta a conhecer o ‘bivô’, fundador do empreendimento que, para ela, se igualava à magia e grandiosidade do filme ‘A fantástica fábrica de chocolate’. 

    “Imagina chegar na fábrica de doces do avô. Dava aquele orgulho. Era o máximo. Logo que você entrava, no primeiro prédio ficava a administração e a cozinha onde eu via os funcionários fazerem bala de coco. Depois, ao lado direito, ficava o varejo e, à esquerda, as batedeiras que faziam os bolos. Tinha uma rampa e a fábrica de embalagens. Como era uma empresa familiar, todo mundo morava ali nos arredores”.

    Para o comerciante Carlos Montes, de 58 anos, a magia estava nas receitas dos produtos inigualáveis. Seu preferido era o pão de mel que, segundo ele, é diferente de tudo que já experimentou. Quem lhe dera voltar a ter aqueles instantes de felicidade, mesmo que por mais uma única vez. 

    “Até 2015 trabalhei como carteiro na área da Rua Dr Sá Earp. Nesse período, tive a oportunidade de conhecer o senhor Rubens Guerra. Ele fazia bolos para serem vendidos nos quiosques do Terminal Rodoviário no Centro e, quando a fornada não vingava, ele deixava eu levar quantos quisesse. Era o lanche da tarde nos Correios e raramente chegavam em casa”.

    Como toda canção, a da fábrica de Doces Guerra chegou ao fim. Com o tempo, a família diz que se perderam também as fotografias antigas do estabelecimento e as receitas que por tanto tempo representaram uma doce melodia. A partir das criações do senhor Anysio, os doces despertavam sorrisos e cores onde chegavam. Afinal, não é à toa que dizem que a vida depende de quem a tempera.

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