• Direito, memória e identidade

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  • 08/02/2018 12:25

    O culto à memória é uma marca do nosso tempo devido à dupla função que a ela desempenha na formação da identidade. Por um lado, a memória atua como mecanismo de segurança e estabilidade existenciais, por outro, ela serve de instrumento para a realização da justiça social. Na dimensão individual, a memória confere uma sensação de permanência e durabilidade frente à crescente insegurança gerada pelas transformações da contemporaneidade. Na dimensão política, a chamada memória coletiva busca resgatar injustiças e inverter posições hierárquicas que o status quo da sociedade naturalizou ao longo do tempo. Neste sentido, ela vem sendo entendida como um direito fundamental titularizado por grupos e comunidades – o direito à memória. 

    A memória coletiva não se confunde com a ideia de uma memória nacional oficialmente estabelecida, ao contrário, ele visa submeter as narrativas pré-selecionadas pela História ao estudo detalhado a fim de resgatar memórias preteridas. Exemplo disso é a revisão ainda necessária pela sociedade brasileira em relação à memória criada sobre a Ditadura Militar no Brasil que está baseada em deslocamentos de sentido e esquecimentos seletivos. Vale lembrar que Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil no caso Gomes Lund, que trata da Guerrilha do Araguaia, por entender que a auto-anistia conferida aos membros do Regime Militar é incompatível com sistema americano de proteção aos direitos humanos. Na prática, a Lei de Anistia impede o resgate da memória das vítimas, por inviabilizar a investigação e a punição daqueles que violaram normas de direitos humanos. 

    Entretanto, o direito à memória não se restringe ao tema da justiça de transição do Regime Militar, ele também serve para proteger os interesses de comunidades tradicionais como indígenas e quilombolas. No momento atual, a discussão ganha nova importância devido à recente orientação do TCU para que o governo federal retome as obras de construção de hidrelétricas em áreas de comunidades indígenas na Amazônia. Esta proposta de desenvolvimento pode gerar danos irreparáveis em relação à memória coletiva dos povos que vivem em áreas afetadas pela criação das barragens.

    O direito à memória coletiva tem um potencial transformador das desigualdades sociais através do resgate das versões que foram seletivamente esquecidas pela História. Sabe-se que as narrativas históricas não são neutras, elas são utilizadas em processos de inclusão e de exclusão social que servem para a constituição de direitos e para a criação dos conceitos jurídicos que sustentam relações de poder. Neste sentido, a transformação da memória em um direito coletivo é uma forma de garantir o reconhecimento das diferentes identidades dos grupos que compõem nossa sociedade, assegurando maiores possibilidades para a justiça social. 

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