• Dá que ouçamos tua voz

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 24/02/2018 13:10

    Fomos Ilha, Terra, continente. Vera Cruz, Santa Cruz, Papagali. Brasilis. Um Éden. O que plantava, dava. Agigantaram fronteiras a facão e chumbo, homens brutos, próprios a derrubar selva e índios. Estes, dóceis, postos a derrubar pau-de-tinta. Vieram a ferros, os negros. E cavucaram ouro doce, fizeram açúcar, arrancaram diamantes do chão. Cobriu-se Portugal de ouro, cravejamos zilhão de quilates no trono da Bretanha. O capitalismo buscou aqui seus primeiros dinheiros. Filho da escravidão, deixou-nos a chaga, encolhedora de caráter. Crueldade enraizada. Cobra mil cabeças. Não morre assim, porque princesa galante assinou papel elegante. Entranhada. Todos escravizavam, grandes senhores e meros funcionários. Aleijadinho, gênio filho de escrava, tinha escravos. Forros tinham escravos! 

     A liberdade formal foi abandono real. Negros sem rumo, quedaram nas senzalas, ou saíram ao léu. Analfabetos, nos velhos ofícios. Sem terras, com as velhas cangalhas. Burros de carga do sistema. Excluídos, em barracos à beira, nos lixões em torno, em morros à volta, nas periferias das periferias. Quatro horas de condução até o trabalho. Menina trazida da roça pra cuidar de crianças, quarto de empregada minúsculo, senzalinha. Vai ser bolinada ou atacada no ponto do ônibus. Na casa grande vai a senzala, na avenida vem a favela. 

     Lá, entre esgotos, o menino pondera sua desinfância de brincar com baratas, pedras e ferrugens. Menino limpador de para-brisas, logo conclui. Melhor ser avião do tráfico, fogueteiro de gangue. Comerá melhor. Usará tênis da hora. Descerá ao asfalto, à praia, pé sem mundo no chão de privilegiados. O Rio, essa falsidade. Suposta harmonia racial no grito de gol conjunto, samba coletivo. Ilusão. Desde sempre. Então, essa coisa frouxa. Na favela de maioria honesta, a miséria põe o crime a comer o coração dos meninos, que viram bandidos que alistarão novos meninos. Gerente de boca com só AR-15 anos. Esfaqueamentos na orla, arrastões nas praças, selvageria instalada e sem controle. 

     É que herdamos também a burocracia podre de Portugal. Nobres inúteis e funcionários fantasmas, todos nas largas tetas do trono, mamando corrupção estrutural. Os morros da escravidão receberam governos desses burocratas incompetentes, corruptos e mal intencionados. Em Paris se embriagando com guardanapos na cabeça, pagando joias com o pão do povo. Só desgovernos, tivemos. Esquerdóides, direitóides, centróides, todos incompetentes, máquinas de fazer miséria, usinas de roubo. Roubar nem os ruboriza, é para eles, desde o Velho Portugal, sinônimo de governar. Daí, o caos completo. E a chance desperdiçada pelo PT vendido nos pôs em grave crise, no colo da direita decrépita. Fronteira do abismo, bala perdida eufemismo para assassinatos cometidos pelo inferno sangrento que nos tornamos. 

     Quando vem a intervenção, convocada por governo podre, é duro aceitar, mesmo se necessária. Recurso desesperado de país dissolvido, sociedade em ruptura. Num quadrante assim, com tal remédio amargoso, só resta clamar a Deus misericórdias sobre essa terra arrasada, deserto moral no qual tentamos respirar, e erguer tenda de fiapos rotos de esperança gasta, que é o que nos sobra para abrigar nosso coração destroçado. Que dê certo! Quem sabe, um dia nos ergueremos cantando ao som do mar e à luz do céu profundo. Liberdade, liberdade, eis a grande luta, bruta tempestade. Traz tuas asas. Dá que ouçamos tua voz.

     denilsoncdearaujo.blogspot.com

    Últimas