• Aqui enterrei meu coração

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  • 03/07/2017 14:10

    Conheci Petrópolis no início de 1939, antes de completar seis anos de idade e ainda no final do bonde. Aqui aprendi as primeiras letras com o prof. Alberto Hoffmann, entrando para o antigo Colégio Plínio Leite. Foi uma permanência curta pois, por ser italiano, meu pai, químico industrial, foi sumariamente demitido por decreto do “decantado” Vargas, em ´40, como tantos japoneses e alemãs.

    Mas a cidade deixou marcas profundas, qual cicatrizes, na lembrança das ruas cobertas de nevoeiro e algumas lojas comerciais, como a fábrica de massas Pellegrini e a de manteiga ao lado da antiga Casa Itararé, além do verdadeiro “Oasis” no saguão do Cine Petrópolis, com a bilheteria de um lado e a bombonière do outro e um jardim no meio e, se não me falha a memória, com uma palmeira. Ali assisti “O Picolino”, “O Mágico de Oz” e tantos filmes memoráveis. Foi antes da reforma do cinema em 40/41. Além dele, tinha o Capitólio, o Cine Glorinha, na Barão de Teffé, onde hoje é o INSS, e o Sta. Cecília, onde assistia ao seriado Flash Gordon.

    Do Colégio, ficou gravado parte de seu hino – “Eia, avante mocidade / estudai para vencer./ Nas pugnas de nossa escola / nos campos dos esportes enfim / sejamos bravos e valentes / nosso amor não tem mais fim…/ – cadência que me segue até hoje. Se as estrofes não forem exatas, foi o que gravei na memória de criança, além do desfile da Independência, sob o controle do prof. Plínio Leite e do inspetor Brickman.

    Para mim, a cidade era envolta em mistério em função da eterna serração que lembrava filmes de terror com Boris Karloff e Bela Lugosi. Naquela época não havia censura e meu avô me levava para assisti-los. E a lembrança enfumaçada da cidade permaneceu até 1951 quando voltamos para cá e resgatei muitas imagens de diversas casas comerciais. E aqui minha família se fixou, aqui me casei e meus filhos nasceram. Aqui trabalhei em muitas empresas e terminei por montar uma pequena indústria, sendo surpreendido depois de seis meses com a renúncia de Janio e o terrorismo dos “heróis de barro”, seguidos pela agitação dos sindicalistas. E a vida seguiu seu ritmo normal, com muitas alegrias salpicadas de tristezas duras de se aceitar como é natural até que, em ´70, por uma questão de sobrevivência, retornei para o Rio, após encerrar as atividades e quitar as dívidas existentes da tão sonhada fabriqueta. E só retornei ao ritmo normal em ´76, após minha filha entrar para a faculdade de medicina, seu casamento e, posteriormente,  o nascimento de minha neta em 1990.

    E aqui tive a satisfação de reencontrar velhas amizades como o Ivan Herzog, e adquirir outras, como tantas que preservo e guardo no coração, qual relicário, de todos que daqui partiram para o plano superior. Por isto, plagiando o livro de Dee Brown, digo  – “Enterrei meu coração na curva da Serra”.

    jrobertogullino@gmail.com



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