• Agradecimento a Nelson Pereira dos Santos

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  • 29/04/2018 08:00

    Quando vi “Vidas Secas” pela primeira vez, após ler o livro, fiquei tão fascinado com a fidelidade à obra de Graciliano Ramos e à realidade do sertão que tive o seguinte pensamento: o diretor desse filme é nordestino – enganei-me.

    Nelson Pereira dos Santos nasceu em São Paulo em 1928. Ano este em que Tarsila do Amaral deu luz ao Abaporu. Tela emblemática do Modernismo Brasileiro, com a qual, ela presenteou o esposo, Oswald de Andrade. Inspirado nessa tela, o autor do “Rei da Vela” fez o Manifesto Antropofágico, lançado no citado ano.

    A contribuição de Nelson para a cinematografia é inquestionável. Levou para a sétima arte vários clássicos da nossa Literatura, entre eles: “Um Azyllo muito Louco”, baseado em “O Alienista” de Machado de Assis, “A Missa do Galo” (curta-metragem) também baseado em um conto de Machado; “Memórias do Cárcere”, outra obra de Graciliano, “Tenda dos Milagres” e “Jubiabá” de Jorge Amado, “A Terceira Margem do Rio” de Guimarães Rosa. O “Boca de Ouro” foi baseado na peça teatral de Nelson Rodrigues.  “Casa Grande & Senzala” de Gilberto Freire, ele dirigiu para um seriado de tv.

    Fiz essa citação para ressaltar a presença das raízes da nossa cultura nas obras desse cineasta, um dos precursores do Cinema Novo. Com essa afinidade, passei a defender os filmes nacionais por essa diretriz, pela qual passou Eduardo Coutinho com “Cabra Marcado para Morrer”, Glauber Rocha com “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Terra em Transe”; Leon Hirzman com “Eles não Usam Black-tie”.

    No final da década de 70 e início da década de 80, na euforia dos movimentos universitários, eu achava que o cinema também teria que expor essa face do Brasil, tão bem revelado por Nelson em “ Rio, 40 Graus” e “Rio, Zona Norte.”

     “Bye, Bye Brasil” de Cacá Diegues, “Pra frente Brasil” de Roberto Farias estão entre os filmes que comprovam que o cinema nacional não se resume a “pornochanchadas”.

    Não tenho saudade do regime político vivido naquela época, mas vejo com nostalgia as discussões universitárias. Frequentar o Cine Paissandu, no Rio, era quase uma obrigação para quem não queria ser chamado de “alienado”. Encontravam-se lá os leitores do Caderno B do Jornal do Brasil, o JB. 

    Os filmes de Costa-Gavras como “Confissões”, “Estado de Sítio”, “Z”, estavam sempre em debates nos cineclubes. Buscava-se esperança nas artes para alimentar o sonho de liberdade. Recitar Brecht, Maiakovski, Lorca, Neruda era um exercício para manter erguida a ternura. A bandeira da arte, apesar da censura, colocara no mesmo palco Nara, Zé Keti e João do Vale, no Teatro Opinião. A bossa nova, o samba e o baião uniam-se em um só canto: – Liberdade.

    Os textos teatrais “Rasga Coração” de Oduvaldo Vianna Filho, “Liberdade, Liberdade” de Millôr Fernandes e Flávio Rangel estavam entre os mais lidos pelos que conheciam o trabalho do Centro Popular de Cultura da União Nacional de Estudantes (CPC da UNE).

     Desse Rio de Janeiro, que tenho saudade, até os “marginais” eram outros. Havia um código de ética, de respeito aos moradores da comunidade, não eram explorados por milícias, não se cobrava pedágio para subir o morro. 

    As lágrimas não encontram resistências quando bate no peito a lembrança de amigos que partiram precocemente, sonhando com uma Pátria livre. O destino tem muitas vias. Mas em qualquer delas, é a fé que indica o caminho da Luz. Aprendi isso com Dom Helder Câmara.  Faz-se “Revolução dentro da Paz”.

    Obrigado Nelson, vi, em suas obras, o sertão e a favela na mesma travessia: viver é arte.

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