• A arte de superar limites

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  • 17/09/2017 08:00

    Para ela as dificuldades já começaram no ventre da mãe. Às 38 semanas, havia chegado a hora de nascer, mas ela estava virada ao contrário. As condições de sua família eram simples e o parto, feito em casa, demorou demais. Aquele pequeno detalhe fez com que Glaucia Moreira nascesse com uma deficiência na mão direita. O fato iria marcar o resto de sua vida – não pelo que isso traria de limitações físicas a ela, mas pelo preconceito que deficientes físicos ainda sofrem. Há quem se lamentasse pelo infortúnio, mas Glaucia, pelo contrário, sempre viu o acontecimento como um milagre – os próprios médicos diziam que era para ela ter tido sequelas muito mais graves e ficado completamente dependente de ajuda pelo resto da vida. Acostumada a lutar desde os dias mais tenros, ela nunca deixou que as limitações – físicas ou sociais – a impedissem de fazer qualquer coisa. Formada em teologia, com cursos de alemão, pintura e desenho, ela hoje faz o que mais gosta: arte.

    Inspirados no impressionismo, de paisagens bucólicas ao nu artístico, todos os desenhos de Glaucia  carregam seu traço colorido e fortemente característico. "Gosto de arte que não é certinha. Gosto de pintar de maneira diferente", explica a artista, que trabalha como secretária em um hospital em Petrópolis. A paixão pela arte é antiga e ela sempre procurou aperfeiçoar a habilidade, investindo em estudos. "O importante é nunca parar". 

    Francisco Marques, professor e diretor da Graph-it, onde Glaucia estuda desenho atualmente, ressalta que quando se trata de estudar técnica para desenvolver um talento, as dificuldades que as pessoas encontram são variadas. "Muitas pessoas não estudam, não se aperfeiçoam por não acreditarem em si mesmas. E isso não tem nada a ver com deficiência física. Está na cabeça das pessoas", disse.

    Apesar de não se deixar abalar por preconceitos, Glaucia reconhece que eles existem em determinadas situações, principalmente no que diz respeito à capacidade atribuída a deficientes físicos. "As pessoas ficam admiradas com a capacidade de um deficiente de produzir, de estudar, de se capacitar. Elas não esperam. Acham que a pessoa deficiente física é limitada em tudo e não é por aí. A minha deficiência é física. É mínima. Há quem, inclusive, nem perceba".

    Por outro lado, Glaucia observa que às vezes a limitação é imposta pela própria pessoa que tem a deficiência física. "Tem deficiente que tem a auto-estima baixa e se deixa limitar por isso. Há pessoas que colocam a deficiência como se fosse o maior problema delas e nem sempre é. Às vezes está na cabeça delas", disse. E quando se trata de limitações, elas podem vir, inclusive da própria família. "Às vezes a família não tem o entendimento de estimular a autonomia/independência e super protege o(a) filho(a) que tem deficiência física", disse.

    As pinturas e desenhos hoje são sua maior paixão e Glaucia, que expôs na Unimed-Petrópolis em 2005 (na época com pinturas), deseja conseguir um local para expor novamente a nova leva, agora, de desenhos – desenhos de traços fortes e irreverentes, ao mesmo tempo coloridamente doces e alegres. Desenhos que, como Glaucia diz, não são "certinhos", são "diferentes". Talvez sua arte reflita um pouco do que é sua própria história. Mais uma vez, a arte imitando a vida.




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